sábado, 5 de abril de 2008

Um antropólogo, índios e direitos animais


Recentemente li um artigo escrito por um antropólogo francês sobre a relação entre índios e suas caças.

Está bem escrito.

De linguagem acadêmica demais sem necessidade, mas ainda assim bom.


Saldo final do artigo :

O autor defende que o modo como a sociedade moderna interpreta os direitos animais é algo infantil e erroneamente suportada por antropocentrismos incoerentes.

Não nego isso em alguns aspectos.

Mas é curioso que após ter vivido com tribos diversas por um bom tempo, o pesquisador observe alguns comportamentos padrões no que diz respeito aos índios e seu modo de ver/tratar a caça.

- Cita o autor que comunidades antigas viam/vêem nos animais, humanos disfarçados. Portanto atitudes violentas com eles são dignas de punição ou compensação. O índio entende que não deve maltratar animais (ainda que o faça);

- Cita o autor que para caça-los ou comê-los, os índios compensam a posteirori o ato fazendo oferendas a divindades, pois reconhecem eles próprios a malevolência desse comportamento. Dessa forma, com as oferendas, visam distrair atenção das divindades ao seu crime. Ou seja, bajulando-as.

"consciente do dano que é obrigado a causar a um de seus semelhantes, o caçador se empenharia em todos os tipos de compensações simbólicas para aliviar sua má consciência e precaver-se das conseqüências que seu ato não poderia deixar de acarretar."

- Ao longo de todo o texto, o autor reconhece que as comunidades reconhecem estarem fazendo um mal aos animais. Independente da tribo, quando acontece um acidente na mata, uma picada de cobra ou algo assim, eles consideram que o "Senhor dos Animais" sente-se ofendido e pune-os por estarem fazendo algo que não deveriam ter feito.

"Em um tom similar, embora sem menção explícita à Sibéria, Philippe Erikson (1984) propôs considerar a criação de animais selvagens na Amazônia como uma prática compensatória, reparação simbólica do dano infligido aos genitores por meio da adoção e sustento dos filhotes da caça. Certamente os povos da região obedecem de antemão a uma ética da caça ¾ não matar mais animais além do necessário, comportar-se com respeito para com a caça, não fazê-la sofrer à toa etc."

- Respeito a lei natural das coisas: existem presas e predadores. Defendo portanto o consumo básico e justificado do que for preciso consumir. Dificilmente predadores matam centenas de presas por capricho ou por gula. Nesse sentido, índios tem uma conduta "razoavelmente" coerente (ainda que desnecessária de fato).

- O autor também destaca como crianças são diferentes de adultos, algo que consigo enxergar (ainda que não tenha predileção por crianças). O principal problema da criança é que ela cresce, e pior, no meio de adultos. Crianças apresentam a essência do comportamento humano selvagem. Em todo seu conjunto, os principios morais e éticos que eu tanto recrimino mas também aprecio.

"Os trabalhos de Susan Carey (Carey 1985; Carey e Spelke 1994), em particular, indicam que a própria animação é percebida como derivada desses atributos, de tal modo que as crianças muito pequenas concebem os humanos e os animais como pertencendo a uma mesma categoria ontológica, formalmente homóloga ao que poderíamos definir como uma pessoa. Só mais tarde emerge a categoria de animal, organizada em grande medida a partir das propriedades que a criança associa às atividades humanas. O último estágio da construção do conceito de objeto vivo ocorre com a junção do domínio das plantas àquele dos animais, no quadro do desenvolvimento de uma teoria ingênua das funções biológicas."

- Diversos autores ressaltam amplamente a má índole humana uma vez que consideram animais como objetos não-sencientes ou desprovidos de direitos.

"É isso que Luc Ferry (1992:90-91) observa muito justamente, comentando Maupertius: quer se tenha prazer ou não, o espetáculo do sofrimento de um animal não pode nos deixar indiferentes pois, evocando o nosso, lembra-nos uma analogia fundamental que as plantas são incapazes de suscitar, mesmo com um grande esforço de imaginação."

Tenta o autor ainda assim, desmoralizar os princípios que regem a defesa dos direitos animais (apoiando-se na prática selvagem praticada na Amazônia ou em outras localidades). Erro do autor. Não é porque uma prática é amplamente praticada que ela seja em si ética. O que o autor ignora é que animais são dotados de sentimentos emocionais e físicos. Portanto, merecedores de igual conduta respeitosa. Sejam eles potenciais fonte de alimento ou não, não há justificativas para desrespeitá-los enquanto organismos vivos.

Algo tão óbvio assim parece ser demasiadamente difícil de ser assimilado pelo homem.

Sua impressionante sorte é não confrontar-se com predadores reais os quais lhe ameaçem a sobrevivência.

Com exceção de alguns vírus e seus vetores, o único animal que curiosamente o ameaça é tão somente ele mesmo.
Homo hominis lupus est

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