quarta-feira, 16 de abril de 2008

Células-tronco Humanas

 
Porque cria-se tanta celeuma em relação ao uso de células-tronco embrionárias humanas em pesquisa científica e não se encontra problema algum com relação ao uso de animais (das mais diversas espécies e idades) nas mesmas pesquisas científicas ?
 
São necessários antes alguns esclarecimentos:
 
1 - Células-tronco embrionárias são células totipotentes retiradas de um embrião humano (um conjunto de não mais que 150 células amorfas - sem função biológica determinada; daí o termo totipotentes), fruto de um processo de fecundação (espermatozóide + óvulo) que normalmente ocorre no útero de uma fêmea humana ou em sistemas laboratoriais chamados sistemas in vitro.
 
2 - Esses embriões têm a potencialidade de desenvolverem-se em seres humanos, apenas se forem implantados em úteros de mulheres dispostas a recebê-los e mantê-los por 9 meses em seus corpos (salvo desenvolvimento de sistemas artificiais com o mesmo fim, ainda inexistentes).
 
3 - Caso não utilizados em protocolos de fertilização in vitro, os mesmos embriões são apenas um aglomerado de células sem rede nervosa primordial desenvolvida, a exemplo do ovo de galinha que se consome no almoço (na verdade, um ovo de galinha encontra-se em fase de desenvolvimento muito mais adiantado que o de um embrião semelhante ao ilustrado acima).
 
4 - Em pesquísa científica, usam-se animais aos milhares. Eles são normalmente criados em estruturas chamadas de biotérios.
 
5 - Em biotérios, os animais são mantidos em jaulas, alimentados, mantidos normalmente sob condições de controle ambiental rígido, e estão à disposição dos cientistas para protocolos de ensino e pesquisa dos mais diversos campos : ensino médico e veterinário, pesquisa comportamental, bioquímica, microbiológica, imunológica, radiológica, cosmética, alimentícia, cirúrgica, de transplante de orgãos, tolerância, entre muitas outras.
 
6 - Biotérios encerram em suas estruturas mamíferos (orangotangos, chimpanzés, gorilas, macacos de pequeno porte, camundongos, ratos, hamsters, coelhos, cães, gatos, porcos, cabras, ovelhas, entre outros), aves, répteis, anfíbios, peixes e invertebrados diversos.
 
7 - Durante a experimentação científica os animais são sujeitos a protocolos diversos, que culminam em sua maior parte na morte do animal. Como resultado da morte, seus fluídos ou orgãos são coletados e sujeitos a posteriores análises. Quando estes não são sacrificados, ficam em geral a mercê de estudos comportamentais ou de alterações fisiológicas de longo prazo ( http://www.peta.org/actioncenter/testing.asp )
 
Muito bem... Voltemos à pergunta inicial.
 
Porque cria-se tanta celeuma em relação ao uso de células-tronco embrionárias humanas em pesquisa científica e não se encontra problema algum com relação ao uso de animais (das mais diversas espécies e idades) nas mesmas pesquisas científicas ?
 
A sociedade considera que qualquer experimentação em humanos é anti-ética uma vez que seres humanos são criaturas capazes de consciência, sensação e planejamento.
 
Não obstante, o meio científico acredita no uso de modelos animais como ferramentas para depreender e prever qualquer dano que possa ser causado a um exemplar da espécie.
 
Nesse sentido, o homem considera melhor causar um dano físico e moral a um organismo animal remotamente parecido ao homem, do que submetê-lo ao mesmo.
 
Ademais, dispõe a lei (Declaração Universal dos Direitos Humanos - 1948), através dos artigos III, IV, Y e IX, respectivamente que :
 
"Toda pessoa tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal",
"Ninguém será mantido em escravidão ou servidão, a escravidão e o tráfico de escravos serão proibidos em todas as suas formas",
"Ninguém será submetido à tortura, nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante" e  
"Ninguém será arbitrariamente preso, detido ou exilado".
 
Considerando que a legislação de muitos países permite o aborto incondicional ou condicionado a situações como estupro;
Considerando que a legislação de muitos países permite a pena capital;
Considerando que a legislação de muitos países permite a retirada de orgãos de pacientes com morte cerebral.
Considerando que a legislãção de muitos países permite a eutanásia, e a execução de criminosos de guerra;
Considerando que a legislação de muitos países permite o assassinato de soldados no front de batalha e condecora aqueles que mais combatentes aniquilaram;
Considerando que a legislação de muitos países e o senso comum reconhece que animais são capazes de sentir dor e sofrimento em moldes iguais aos humanos;
Considerando que a legislação de muitos países condena a penas perpétuas assassinos confessos que são sustentados pelo Estado...
 
Cabe uma reflexão do verdadeiro motivo pelo qual o homem permite que animais sejam usados como ferramentas de experimentação científica e no entanto faça tanto drama quanto ao uso de embriões humanos para o desenvolvimento de terapêutica promissora de uso no próprio homem.
 
Toda a questão gira em torno de aspectos éticos e religiosos (e não científicos).
 
Pelo lado ético, o homem não cogita a hipótese de envolver humanos em experimentação científica seja em que fase de desenvolvimento ele estiver (embrião, jovem ou adulto).
 
Por que ?
 
Pelo simples receio de um dia estar sujeito (ou ver sujeito seus entes queridos) a qualquer critério de seleção que um dia venha a ser instituído.
 
Sendo assim, prefere a sociedade investir na manipulação cruel e imoral de outros organismos (que também são sencientes), mesmo que isso envolva um tempo imensamente maior nas pesquisas e um desperdício de tempo (sequer considera-se a utilização de criminosos seriais confessos para tais experimentos... afinal, são humanos, e humanos são invioláveis).
 
Vejamos... por mais que um camundongo apresente semelhança genômica de 95% ao genoma humano, e um chimpazé apresente 99% da mesma, resulta claro aos olhos que mesmo uma grande similaridade genômica não representa similaridade molecular, fisiológica e comportamental inconsteste.
 
Sendo assim, resulta óbvio que qualquer inferência feita sobre experimentação em animais, é extrapolada ao ser humano com uma grande incerteza científica.
 
Disso resulta um investimento de tempo e dinheiro absurdo para inferir o comportamento molecular de um princípio químico em humanos, quando na verdade foram testados em animais apenas razoavelmente similares.
 
Resulta óbvio ser esta uma troca desigual, uma vez que milhares/milhões de animais são sacrificados ao longo de anos para salvar vidas que só serão (talvez) beneficiadas ao final desse prazo.
 
Esquece-se surpreendentemente que muitas vidas humanas foram perdidas justamente pelo aguardo do transcurso desse tempo dispendido com experimentação animal.
 
Conlcuí-se então que são sacrificadas inúmeras vidas humanas e animais para o desenvolvimento de inferências científicas que podem (podem...) vir a ser aplicadas na terapêutica futura.
 
Pelo lado religioso, o homem cogita que o uso de embriões humanos envolve temáticas tais como "quando começa a vida" ou se "o embrião é provido de alma/espírito".
 
Resulta absurdo discutir quando começa a vida uma vez que a vida encontra-se em diversas estruturas primordiais humanas indubitavelmente.
 
Um espermatozóide, um óvulo, uma célula qualquer humana são estruturas vivas e dinâmicas. Não é porque elas encontrem-se haplóides ou fora do contexto germinativo, que as mesmas não são vivas.
 
Quanto à temática que envolve a existência de alma/espírito, a mesma é totalmente desprovida de base material.
 
Mesmo que exista alma/espírito ou algo do gênero, não há nenhuma evidência que comprove sua existência. Sustentar qualquer violação de um príncipio moral e ético com base numa suposição é de um despreparo gritante.
 
Resulta mais uma vez, que a discussão sobre o uso ou não de embriões humanos em pesquisa recai para o lado emocional.
 
Até aí, nada contra. Mas soa hipócrita ser emocional com A e não com B, quando A e B apoiam-se nos mesmos princípios éticos e biológicos.
 
Como repito ad nauseam : me surpreende o absurdo humano.
 
 

Um comentário:

Cláudio Godoy disse...

Olá Frank,

O Maurício Kanno acabou de me indicar o seu blog. Por enquanto só li este post, mas gostei do que você escreveu.

Na minha opinião, a própria fecundação artificial constitui um problema ético em si, pois além de poder frustrar uma vida em potencial de um indivíduo senciente, desestimula a adoção. E olha que não sou nem um pingo religioso.

E com certeza sou a favor da aplicação racional do princípio da igualdade de consideração, que tem como conseqüencia lógica a extensão dos direitos básicos a todos indivíduos sencientes.

Atenciosamente,

Cláudio Godoy