sábado, 24 de maio de 2008

Uso de Animais na Ciência - 5


ESCOLHA DO MODELO ANIMAL

Ao se planejar qualquer prática em animais, seja para ensino ou para pesquisa, deve-se ter claro quais os objetivos do experimento. Os animais vivos somente devem ser utilizados nos casos em que forem indispensáveis. Os experimentos que não forem prejudicados por modelos in vitro ou por outras alternativas devem ser conduzidos desta forma.

Experimentos que usam animais como ferramenta têm normalmente por objetivo avaliar (1) resposta fisiológica (tolerância/letalidade) do modelo animal a um composto ou procedimento, (2) eficácia ou otimização de procedimento invasivo em modelo animal, (3) verificação de alteração comportamental ou fisiológica mediante algum estresse químico, físico ou biológico, entre muitos outros. Não há qualquer experimento que utilize-se de animal como ferramenta, que não o submeta a humilhação, injúria ou violação de princípios básicos de dignidade. Animais de laboratório são TODOS descartáveis a curto, médio ou longo prazo.

Antes de se escolher o animal, é preciso buscar na literatura subsídios para a opção mais adequada. Havendo mais de uma alternativa, utilizar os animais menos desenvolvidos filogeneticamente e que puderem ser obtidos em número suficiente, com maior facilidade. Esses princípios são responsáveis por serem os roedores, em especial os ratos, os animais empregados rotineiramente na maioria dos trabalhos científicos. Nos Estados Unidos, 88 % das práticas são realizadas com ratos, camundongos, cobaias e coelhos, enquanto cães são utilizados em 0,35 %, porcos, em 0,28 %, gatos, em 0,14 % e macacos, em 0,03 % das pesquisas e/ou aulas. Outros animais fazem parte de pesquisas especiais ou estão no domínio da Veterinária. Na Inglaterra, a proporção aproximada do uso de animais em pesquisa e ensino é: camundongos (65 %), ratos (22 %), coelhos (6 %), cobaias (4 %), cães (2 %), gatos (1 %) e macacos (< 0,1 %). Outros animais não foram registrados.

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Havendo mais de uma alternativa, utilizar os animais menos desenvolvidos filogeneticamente e que puderem ser obtidos em número suficiente, com maior facilidade." Esse é o indicativo básico do que usa-se como motivação na escolha de animais como ferramentas de experimentação: custo, quantidade, tempo dispendido, praticidade. Em nenhum momento consideram-se quaisquer aspectos éticos ou sensoriais, assim como não se considera que organismos filogeneticamente menos desenvolvidos fornecem na verdade indícios falsos ou imprecisos de comportamentos que não serão observados em organismos filogeneticamente mais desenvolvidos (como é o caso do uso de camundongos para inferir respostas no H.sapiens). Perceba o baixo percentual do uso de primatas para experimentação científica (ainda que o número de primatas sacrificados seja imenso na realidade). A razão é simples : 9 em 10 pesquisadores desejariam fazer experimentação em primatas (por serem o "modelo" animal mais parecido ao ser humano - obs: o único modelo adequado para estudar com precisão o ser humano é o ser humano propriamente dito). As verdadeiras razões pelo não uso de primatas como desejado são duas : (1) os elevados custos de manutenção e infraestrutura de biotérios de primatas, (2) a dificuldade de alguns centros ou técnicos de desvincular semelhanças entre primatas e seu alvo de estudo (o homem). Fica assim evidente o desrespeito e o paradoxo : se por um lado animais são tratados como objetos (desprovidos de sentimentos ou desejos) em que unicamente consideram-se aspectos orçamentários de sua manutenção, por outro lado alguns animais (primatas) são comparados à seres humanos despertando claramente o desconforto de submeter criaturas semelhantes a experimentação científica sádica e desrespeitosa. Fica a mensagem : o uso de animais de qualquer categoria é anti-ético e naturalmente desperta sensações que deliberadamente queremos ignorar por conveniência (maiores quanto maior for a semelhança à nossa espécie). As justificativas para uso de animais em laboratório, apoia-se na mesma lógica do uso de humanos com os mesmos fins.

O pesquisador deve conhecer bem as particularidades dos animais com os quais trabalha. Dados biológicos, como o tempo de vida, fases do desenvolvimento e características reprodutivas são parâmetros fundamentais a serem controlados. As necessidades nutricionais e o alojamento mais adequado, bem como o comportamento do animal frente aos agentes ambientais são outras particularidades prioritárias a serem dominadas pelo pesquisador, para evitar desconforto ao animal ou interferir no trabalho a ser realizado.

Traduzindo : por "evitar desconforto animal ou interferir no trabalho a ser realizado", o autor quer dizer que o que realmente importa aqui é o trabalho realizado. A preocupação com o desconforto animal não é levantada por razões éticas, mas sim porque o desconforto animal representa mais uma variante ambiental a considerar na análise final dos dados. E qualquer profissional de ciência (ou não) percebe que quanto menor o número de variáveis ambientais incidindo sobre o experimento, maior a confiança na análise do mesmo.

Os animais apresentam peculiaridades fisiológicas características a cada espécie. Tomando como exemplo a temperatura corpórea, na maioria dos mamíferos ela se encontra entre 38 e 39oC. Já a freqüência cardíaca varia desde 70 batimentos por minuto, no porco, e 80, no cão, até acima de 400, no rato e camundongo, passando pelo gato, com 120, e coelho, com 200 batimentos por minuto. O abdome dos mamíferos é, no geral, parecido com o humano, mas o fígado apresenta morfologia lobular diferente e o baço é proporcionalmente maior e mais móvel do que o humano, na maioria das espécies. No rato, o estômago é dividido em duas partes (pré-estômago e estômago), o apêndice cecal é muito maior do que o ceco e a vesícula biliar é quase inexistente.

Diante de tantas variações morfológicas, podem-se esperar que as diferenças fisiológicas sejam ainda mais complexas entre os animais e em relação ao homem. Contudo, a maioria das pesquisas realizadas com os animais adequados resultam em informações próximas das que podem ser esperadas no homem.

Me impressiona a incoerência lógica e científica entre profissionais que lidam com Ciência. "Informações próximas das que podem ser esperadas no homem" não tem o mesmo significado que "Informações idênticas das que são observadas no homem". O autor destaca claramente que animais não-humanos são exatamente isso: animais não-humanos. Portanto, animais não-humanos não devem ser considerados como "modelos" para inferência científica em humanos.

Existem subsídios na literatura para a escolha do melhor modelo animal. Dessa forma, o camundongo se presta mais às práticas de choque, sepse, queimaduras, obesidade, megacólon e câncer. Como já foi mencionado, o rato é o animal mais utilizado nas práticas científicas, porém ele é mais apropriado para trabalhos envolvendo choque, sepse, obesidade, peritonite, câncer, úlceras gástricas, operações intestinais, estudos do sistema mononuclear fagocitário, baço, cicatrização e transplantes de órgãos. O coelho é empregado para estudos sobre a pele, pesquisas imunológicas, choque, inflamação, colites ("Crohn"), operações vasculares e transplantes. O cão é outro animal muito útil à pesquisa e ao ensino de técnica operatória; as investigações mais comuns nesse animal são choque, má absorção, megas, colites, pancreatites, operações hepáticas e esplênicas, além de transplantes. Os outros animais não fazem parte da rotina de pesquisa. Assim, os porcos são estudados em trabalhos com fígado, úlcera péptica e transplantes; os cavalos em hematologia; e os macacos, em investigações comportamentais e nas pesquisas mais sofisticadas, com vista a aplicações subsequentes no homem. Os sapos e pombos são mais úteis em aulas práticas básicas.

Creio que o singelo parágrafo acima resume muito do absurdo que venho ilustrando.

Um comentário:

Anônimo disse...

E COMO IMPEDIR QUE OS ANIMAIS DEVOREM-SE UNS AOS OUTROS?

OU ELES NÃO PRECISAM RESPEITAR A DIGNIDADE DE SEUS SEMELHANTES?

COMO ALIMENTÁ-LOS SE NÃO PODEM DEVORAR-SE UNS AOS OUTROS?

SE ELES PODEM SE DOVORAR, PORQUE NÃO PODEMOS, SE SOMOS TÃO ANIMAIS QUANTO ELES?