segunda-feira, 12 de maio de 2008

Uso de Animais na Ciência - 2

 
"DETERMINAÇÕES LEGAIS
 
A primeira manifestação social que tentou doutrinar as pesquisas que provocavam dor em animais vertebrados denominou-se Cruelty to Animals Act, redigida em Londres, em 1876, um ano após a anestesia geral ter sido introduzida como parte da atividade médica. Os idealizadores desse documento tiveram o objetivo de autorizar o Governo a licenciar cientistas, a regularizar os experimentos e a inspecionar as instituições de pesquisa. Os tópicos principais desse ato são:
 
1 - Os experimentos devem visar a novas descobertas ou conhecimentos de fisiologia e ser úteis para salvar ou prolongar a vida e aliviar sofrimentos.
2 - Experimentos devem ser feitos por pessoas licenciadas e registradas.
3 - Anestésicos devem ser usados para prevenir a dor.
4 - Se o animal vier a sofrer após o experimento, deve ser morto antes do fim da anestesia.
5 - O experimento não deve servir como ilustração de aula.
6 - Experimentos com dor não devem ser exibidos ao público em geral.
7 - Os experimentos não devem servir para se adquirir adestramento manual.
8 - Experiências em cães, gatos e cavalos devem ser proibidas.
 
A falta de receptividade pela comunidade científica e o desinteresse governamental, aliados ao despreparo social da época e extremismo dos parágrafos do documento resultaram em seu insucesso. O mesmo ocorreu com as declarações seguintes: Protection of Animals Acts (Escócia, 1911-1912 e Londres 1954, 1964)."
 
A comunidada científica e a sociedade de um modo geral, continuam não aceitando a maioria das restrições. O modo de vida moderno foi construído baseado na exploração ostensiva do meio-ambiente e de seus elementos. Aceitações de restrições na forma de manipular animais ou o meio-ambiente, determinariam alterações no modo de vida do ser humano moderno. E o homem moderno não quer deixar de viver exatamente do modo que vive hoje. Seu conforto e prazer é a condição prioritária nessa discussão.
 
"Pode-se considerar que a primeira legislação contemporânea sobre a Ética na Medicina, com boa aceitação internacional, foi o Código de Nüremberg (1949). O item 3 desse documento dispõe que "...o experimento com humanos deve ser baseado em resultados de experimentação com animais...". Essa norma foi incorporada pela maioria dos países e reforçou uma atitude que já existia na prática desde Hunter, Cuvier e Claude Bernard, mais de um século antes desse Código."
 
Torna-se simples entender o porque dessa lei: Após a Segunda Guerra Mundial o mundo viu-se chocado pelo tratamento diferenciado aplicado a seus semelhantes pelo regime nazista (os judeus neste caso). Os relatos de campos de concentração e experimentos científicos com judeus e outras etnias, levantou a possibilidade de que qualquer um (judeu ou não) poderia em algum momento ser vítima de procedimento similar caso fosse desejo do Estado ou Governo. Oras...Ninguém quer sujeitar-se a tal atividade. Portanto, se eu, Sociedade, instituo uma legislação que protege os direitos legais, morais e físicos de todo e qualquer humano, construo um sistema onde eu mesmo acabo por estar protegido. Tem esse mesmo objetivo a Declaração Universal dos Direitos Humanos (ONU - 1948). Fica evidente aqui o objetivo : Todo e qualquer humano deve ser respeitado incondicionalmente.
Os direitos dos demais organismos estão sujeitos à avaliação.
 
"Em 1959, Russell e Burch publicaram o livro The principles of humane experimental technique, no qual afirmaram que a boa pesquisa com animais deve respeitar três R's: Replacement, Reduction e Refinement. A substituição (Replacement) significava que, em vez de animais superiores, dever-se-iam utilizar formas de vida filogeneticamente mais primitivas ou experimentos simulados, com base em avanços tecnológicos. A redução (Reduction) sugeria que as pesquisas fossem realizadas com o menor número de animais e de procedimentos, que permitisse alcançar os objetivos do trabalho. O refinamento (Refine) significava para esses autores a capacidade que os pesquisadores deveriam ter para improvisar métodos que reduzissem o sofrimento dos animais, oferecendo-lhes o maior conforto possível. Os três Rs repercutiram tão favoravelmente que foram incorporados de imediato pela Royal Commission of Ethics do Reino Unido e adotados pelo governo dos Estados Unidos para a liberação de verbas aos projetos de pesquisa em áreas biomédicas."
 
Percebam o erro desta filosofia (aliás propagado até hoje) : "A substituição (Replacement) significava que, em vez de animais superiores, dever-se-iam utilizar formas de vida filogeneticamente mais primitivas ou experimentos simulados, com base em avanços tecnológicos". Voltarei a esse tema diversas vezes...
 
"Um dos mais importantes códigos de ética médica é a Declaração de Helsinque. Esse documento foi criado em um simpósio do qual participaram muitos países, na capital da Finlândia, em 1964. Revisões desse ato foram realizadas em 1975, 1983 e 1989, em novos encontros internacionais. Entre as suas sugestões, destaca-se no Artigo I, Item 1: "A pesquisa biomédica envolvendo seres humanos deve estar adaptada aos princípios científicos e basear-se em experiências de laboratório e com animais, adequadamente desenvolvidas". Essa norma é uma nítida adaptação do Código de Nüremberg."
 
De novo o lema : Primeiro teste em animais. Depois (muito depois mesmo) teste em humanos.
 
"Outro documento internacional que legisla a pesquisa em animais constitui os "Princípios Básicos do Código Internacional", redigido no Reino Unido, 1985. Sobressai na parte da "Ética para Animais de Laboratório":
 
I - Experimento com animais é necessário ao desenvolvimento científico.
II - Substituir os animais, quando possível, por modelos alternativos.
III - Todos os experimentos devem ser relevantes.
IV - Utilizar o mínimo de animais necessário para se obterem resultados válidos.
V - Preferir as espécies filogeneticamente menos desenvolvidas.
VI - Oferecer aos animais conforto adequado e aliviar a sua dor.
IX - Realizar sob anestesia os procedimentos que causam dor.
X - Matar o animal que vier a sofrer em decorrência do experimento.
XI - Não ensinar em aula procedimentos que provoquem dor.
XIV - Os experimentos devem ser realizados ou supervisionados por pessoas preparadas cientificamente.
XV - A instituição em que se realiza o experimento é responsável por ele.
 
A legislação voltada às pesquisas com animais no Brasil segue as normas internacionais, encontradas em diversos regulamentos. A Lei Federal nº 6638 de 08/05/1979 estabelece que:
 
- Todos os biotérios e centros de pesquisa devem ser registrados.
- A vivissecção de animais somente pode ser realizada sob anestesia, em locais credenciados e sob supervisão especializada.
- Os animais devem ser alojados em gaiolas apropriadas, com conforto e nutrição adequada e ser mantidos em observação por, pelo menos, 15 dias antes de iniciar-se a pesquisa.
- É proibida a vivissecção em presença de menores de idade.
 
O Ministério da Saúde, através do Conselho Nacional de Saúde estabeleceu na Resolução 1 de 15/07/1988, Decreto 93.933, de 01/1987, Capítulo II, Artigo 5, Item II, que: "A pesquisa em ser humano deve estar fundamentada na pesquisa experimental prévia, realizada em animais". Essa determinação existe na maioria dos códigos internacionais.
 
O Código de Ética Médica, Resolução CFM 1246/88 estabeleceu no Capítulo VIII (Da Pesquisa em Farmacologia), Artigo 52: "Os estudos devem ser planejados de maneira a obter o máximo de informação, utilizando-se o menor número possível de animais e devendo ser utilizados igual número de machos e fêmeas. Estudos pré-clínicos devem ser realizados em três espécies de mamíferos, sendo, pelo menos uma, não roedor. Os animais devem pertencer a linhagens bem definidas, evitando-se cepas com características genéticas especiais."
 
Por último, o Colégio Brasileiro de Experimentação Animal determinou, em seus Princípios Éticos de Pesquisa, de 1988, além do que já foi apresentado em outros códigos, que:
 
Artigo IV - Os animais selecionados para um experimento devem ser de espécie e qualidade apropriadas e apresentar boas condições de saúde, utilizando-se o número mínimo necessário para obtenção de resultados válidos. Avaliar a possibilidade de utilização de métodos alternativos.
Artigo IX - Os investigadores e funcionários devem ter qualificação e experiência adequadas para exercer procedimentos em animais vivos."
 
Existe uma suposta conduta de preservação dos animais utilizados com fins científicos. Evitar que sintam dor, sacrificá-los caso venham a sofrer em decorrência do experimento, usar o mínimo de animais necessários, não utilizá-los em aula para demonstração de dor, utilizá-los apenas em experimentos relevantes, oferecer aos animais conforto e nutrição adequada, experimentos supervisionados por pessoal preparado, vivisecção sob anestesia.
 
Esta é a proposta na teoria.
 
Por mais que profissionais do meio aleguem serem respeitadas essas condutas e que Comissões de Eticas fiscalizam rigorosamente os procedimentos acima mencionados, a verdade é muito distinta na prática (seja na indústria, na sala de aula ou no laboratório). Instituições que realizam experimentação animal são na sua essência orgãos que funcionam mediante orçamento (seja privado ou público). Dessa forma, todo orçamento deve ser administrado e adequado às necessidades da instituição. A manutenção de animais em condições padrão de confinamento, com administração de alimentação controlada, uso de anestésicos importados ou de custo elevado, uso de material de consumo laboratorial/cirúrgico específico, conservação de medicamentos usados para fins experimentais em condições adequadas, manutenção de pessoal encarregado de limpeza e cuidados animais, infraestrutura física de laboratórios animais, .etc, indica claramente que a satisfação de todos esses fatores afetam diretamente o orçamento de uma instituição. E orçamentos são controlados por burocratas. Logo, existe um conflito claro entre planejamento orçamentário e preservação dos direitos animais. Este último é sempre preterido.
 
Consideremos também que as instituições que praticam experimentação animal podem ser dividas naquelas dedicadas à pesquisa pura/aplicada e ensino, e aquelas dedicadas ao desenvolvimento de produtos ou protocolos. As que estão dedicadas à pesquisa e ensino, abrigam estudantes sujeitos ao aprendizado. Assim, é lógico que animais são utilizados como ferramentas de demonstração e teste o tempo todo (laboratorial, comportamental, ou cirúrgico). Estudantes usam-nos aos montes para aprender como aplicar injeções em artérias específicas, como matá-los de modos diversos (destroncamento medular, torção do pescoço, asfixia, sangria, entre outros), como e onde fazer incisões cirurgicas, como manipular orgãos em pleno funcionamento, quais fatores mecânicos e biofísicoquímicos alteram seu funcionamento, quais fatores ambientais influenciam o comportamento dos animais testados (privação de sono, água, comida, espaço, etc), entre muitos outros. Estudantes classicamente são orientados a aprender com no teste. E no erro. Tentativa e erro é a filosofia usada até hoje na Academia. Se ínumeros animais são perdidos nesse transcurso, pouco importa. Alunos encarregam-se de praticar à exaustão um procedimento até que o mesmo seja dominado (na realidade, a manipulação bizarra de animais nessas situações normalmente desperta instintos sádicos e curiosos dos estudantes. Não é incomum observar alunos literalmente brincando com os procedimentos em sala de aula; seja por curiosidade, seja para impressionar os colegas classe, os animais-objeto são as vítimas dessa conduta). Todas as condutas acima citadas, verificam-se ad nauseam nos cursos técnicos de zootecnia, enfermagem, biologia, veterinária, medicina e áreas da saúde afins.
 
Já nas insituições privadas, o regime que dita todas as regras de conduta apoia-se na obtenção do máximo rendimento de tempo e menor custo operacional. Assim, busca-se o maior rendimento de resultados fruto da experimentação animal, associado ao modo de práticá-lo de forma menos onerosa. Uma vez que são instituições privadas, muito do que pratica-se em suas instalações é inacessível aos olhos da comunidade cívil (por tratar-se de propriedade particular). Como o objetivo dessas instituições é a liberação de um produto final ou protocolo de interesse no mercado (um novo remédio, um novo instrumento de cirurgia, um novo protocolo clínico/veterinário), as considerações referentes a direitos animais são colocadas em última instância diante da necessidade da empresa de otimizar seus prazos e budget.
 
É a premissa do capitalismo.
 

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