segunda-feira, 12 de maio de 2008

Uso de Animais na Ciência - 1

 
Navegando pela internet, encontrei um texto de autoria de Andy Petroianu (petroian@medicina.ufmg.br), Professor Titular do Departamento de Cirurgia da Faculdade de Medicina da UFMG.
 
O texto refere-se a "Aspectos éticos na pesquisa em animais" (http://www.medicina.ufmg.br/cememor/pubetica.htm)
 
Para fins de análise do tema abordado, reproduzirei aqui o texto citado e considerações minhas a respeito do assunto.
 
"REFLEXÕES HUMANÍSTICAS
 
Na cadeia alimentar, os animais superiores, em menor número, devem procurar, para se nutrir, os menos desenvolvidos, que geralmente são mais abundantes, mantendo assim o equilíbrio natural. O homem, em sua evolução, passou a utilizar os animais não somente como alimento, mas também para aumentar o seu conforto, transformando-os em agasalhos e empregando-os como auxiliares em seu trabalho. A sua superioridade intelectual e consequente facilidade em dominá-los fez com que o homem aproveitasse os animais com objetivos menos básicos, tais como cerimônias religiosas, atividades esportivas e de lazer, sem se importar com o sofrimento imposto a eles."
 
O autor incorre em erro ao criar a relação "animais superiores, em menor número, devem procurar, para se nutrir, os menos desenvolvidos, que geralmente são mais abundantes, buscando assim o equilíbrio natural". Observe-se que o uso do termo "superior" oferece uma noção muito vaga de seu signifcado (O que é ser superior ?) :
 
São superiores os animais com envoltório nuclear em suas células ? R: Tanto animais, vegetais, fungos como protistas apresentam células com envoltório nuclear (eucariontes), sendo os únicos a não apresentarem carioteca organismos do reino Monera (bactérias), também chamados de procariontes. É de fato hoje discutida uma reformulação da divisão taxômica dos reinos vivos em reinos Archae, Bacteria e Eukaryota.
 
São considerados organismos superiores aqueles que surgiram recentemente ao longo do processo evolutivo ? R: Estima-se que a espécie humana tenha 1 milhão de anos. Bactérias novas surgiram a bem menos tempo que isso.
 
São superiores aqueles capazes de reprodução sexuada ? R: Como é bem sabido encontramos reprodução sexuada em exemplares ancestrais uni e pluricelulares, Animais e Vegetais.
 
Seria o termo "superioridade" relacionado à população total de um dado organismo no planeta Terra ? R: Caso este fosse o critério, bactérias e insetos deveriam ser considerados os senhores deste planeta.
 
São organismos superiores aqueles que apresentam organização neural complexa ? R: Uma barata (um inseto) pode sobreviver dias sem sua cabeça uma vez que sua organização nervosa encontra-se distribuída ao longo de seu corpo. Peixes, aves, répteis, anfíbios e mamíferos diversos apresentam complexidade nervosa notável. Não existe condicionante na natureza para que organismos com maior complexidade nervosa se "alimentem" de organismos menos complexos do ponto de vista neuronal. Se fosse este o caso, não haveriam insetos saprófagos (que se alimentam de material em decomposição), nem tampouco aves de rapina (as quais normalmente se alimentam de pequenos mamíferos). Os exemplos são muitos.
 
São considerados organismos superiores aqueles capazes de planejamento futuro ou uso de ferramentas para excução de operações ? R: São conhecidos diversos exemplos de aves (corvos, p.ex), mamíferos (golfinhos, primatas, caninos, murinos, etc) que utilizam-se de ferramentas e são capazes de planejamento a posteriori.
 
São considerados organismos superiores aqueles capazes de apresentar linguagem elaborada ? R: É amplamente sabido que aves, insetos, mamíferos diversos comunicam-se de forma peculiar e complexa. O fato de que humanos não compreendam em sua plenitude o sistema usado por eles, não os coloca na condição de "seres desprovidos de linguagem".
 
São considerados superiores organismos capazes de apresentar consciência e auto-reflexão, ou seja, de pensarem sobre si mesmos e reconhecerem-se como indivíduos únicos ? R: Sabe-se hoje que animais são capazes de reconhecerem-se como indivíduos singulares (elefantes, p.ex.). A constatação da existência de consciência é tema ainda obscuro. Já diria carl Sagan : "Ausência de evidência não é evidência de ausência".
 
Em seguida, o autor destaca com propriedade que o homem manipula o reino natural a seu bel prazer, com os mais diversos objetivos e pouco dá atenção ao sofrimento imposto aos animais em detrimento de seu uso. Lamentavelmente, há novamente menção à "superioridade intelectual" do homem frente a outros organismos. Houvesse sido utilizado o termo "superioridade tecnológica", teria sido isso mais oportuno. Alguns argumentarão "Mas um fator não está relacionado ao outro?". Se isso fosse verdade, teríamos que considerar a complexidade tecnológica desenvolvida pelas colméias de abelhas, teias de aranhas, represas de castores, ninhos de aves, navegação de mamíferos, referências sempre consultadas pela comunidade científica na busca de novas soluções para seus problemas. Organismos distintos apresentam distintas peculiaridades: Elefantes conseguem sentir tremores tectônicos e alterações de máré com dias de antecedência, e cães conseguem sentir quando uma tempestade se aproxima.
 
"As menções de ética na utilização de animais para as mais diversas finalidades são muito vagas no decorrer da história. A Bíblia, tanto judaica quanto cristã e muçulmana, ao estimular o sacrifício de animais, impõe que esse ato seja feito somente por pessoas escolhidas, utilizando a forma mais rápida e menos dolorosa. Outras religiões também seguem esses preceitos, incumbindo os sacerdotes desse procedimento. Tal atitude mostra que havia a consciência do Mal, ao se matar sem ser para sobreviver, pois esse sacrifício era proibido ao povo, para não estimular instintos agressivos, naturais no ser humano."
 
Seja a bíblia um texto sério ou não, a simples menção e reconhecimento de que a execução de seres vivos é um ato de crueldade ímpar, demonstra que existe consciência do tema desde os tempos mais remotos.
 
"O incômodo de utilizar animais nas mais diferentes atividades humanas obrigou a uma postura moral explícita. Dentro da religião cristã, no século IV, Santo Agostinho preconizou o livre desejo, de acordo com a consciência de cada homem. Na mesma época, São Crisóstomo ensinou que os animais deveriam ser tratados com gentileza, por terem a mesma origem que nós. Por outro lado, São Tomás de Aquino (século XIII) afirmou que a lei moral era conferida pela razão humana, excluindo assim os direitos dos animais, por não terem alma. Dessa forma, segundo o teólogo Pe. Ritchie, os animais poderiam ser igualados à madeira e às pedras, estando à mercê dos homens para os mais diversos abusos, como se verificou nos séculos seguintes."
 
"Os filósofos, em geral, abstiveram-se de fazer considerações sobre a relação entre homem e animal. Descartes, no século XVII, considerava que os animais eram máquinas com tropismos para o desejar e o evitar. Já no século XVIII, Kant propôs o "princípio de autonomia", pelo qual o homem teria direito à posse universal, agindo com base em seus próprios valores. Portanto, como os animais não possuem valores, perderiam a liberdade individual e estariam à disposição do homem. Esse princípio foi reforçado por Hegel que, no início do século seguinte, escreveu que a ética é uma consequência da participação humana autoconsciente, não se aplicando aos animais já que estes não têm consciência.
Somente em nosso século, os pensadores voltaram-se mais aos direitos dos animais. Assim, Schweitzer, em sua reverência à vida, cita: "eu sou uma vida que deseja viver, no meio de vidas que desejam viver". Finalmente, para não estender muito este tópico, é importante lembrar as palavras de Bentham: "os animais não podem raciocinar nem falar, mas podem sofrer".
 
Nota-se que existe um dualismo entre a concessão de direitos aos animais (e portanto a consideração de sua capacidade de sentir dor e sofrimento) e seu tratamento como objetos (tão desprovidos de direitos como um lápis ou um copo). Dualismos ou multíplas versões sobre temas de relevância são sempre bemvindos e saudáveis, devemos reconhecer. Entretanto, tal discussão deve servir para criar convergências de pensamento lógico e ético assim como para proporcionar o maior benefício às partes envolvidas. É evidente que a discussão tem trazido mudanças muito pequenas nesse sentido. É adequado observar que discute-se o tratamento de animais como seres sencientes já desde muito tempo (século IV na doutrina cristã, segundo o autor), trazendo à tona a menção de que animais não devem ser considerados como objetos nem tratados como tal.
 
Parece que a discussão do tema na prática tem sido desconsiderada desde então.

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