sexta-feira, 13 de junho de 2008

Holocausto à sua mesa

Estive nos últimos dias revendo alguns documentários sobre o Holocausto.
 
O tema me remeteu automaticamente a uma campanha do PETA (People for the Ethical Treatment of Animals) de 2003 chamada "Holocaust on your plate", onde foram apresentados 8 outdoors com imagens de vítimas de campos de concentração nazistas ao lado de imagens de animais em abatedouros.
 
A campanha causou tremendo desconforto e crítica na mídia internacional.
 
 
 
Camp prisoners in bunks on left, chickens in cages on right; "To animals, all people are Nazis"
 
  
Holocaust Cow
 
 
Holocaust Pig
 
 
Holocaust Pig2
 
Holocaust Chicken
 
 
 
 
 
 
Segundo muitos, a comparação entre vítimas do holocausto e animais para abate resultou ser controversa e muito criticada por grupos contrários ao anti-semitismo como a ADL (Anti-Defamation League) e o United Stated Holocaust Memorial Museum.
 
Enquanto alguns argumentam que o uso de imagens do Holocausto por ativistas de direitos animais era uma tática pertubadora, outros argumentam que o uso dessas imagens enfraquece o movimento contrário ao anti-semitismo.
 
À epoca, o chairman da ADL, Abraham Foxman, declarou que a exibição era "chocante, ofensiva e conduzia o chutzpah a novos patamares". "O esforço do PETA em comparar deliberadamente o assassinato sistemático de milhões de judeus ao tema de direitos animais é abominável". Stuart Bender, conselheiro legal da United Stades Holoucaust Memorial Museum, escreveu ao PETA pedindo-lhes que "parem e desistam desse reprovável mau uso de material relacionado ao Holocausto".
 
A campanha foi lançada acompanhada de dizeres (alguns de autores judeus reconhecidos) tais como :
 
"Durante os sete anos entre 1938 e 1945, 12 milhões de pessoas pereceram no Holocausto. O mesmo número de animais é executado a cada quatro horas para a ind´sutria alimentícia somente nos EUA. O Holocausto está na sua mesa".
 
"O mesmo princípio que tornou o Holocausto possível - o de que nós podemos fazer qualquer coisa que desejemos com aqueles que nós decidamos serem 'diferentes ou inferiores' - é o que nos permite cometer atrocidades contra animais todo dia".
 
"[Durante o Holocausto] pessoas eram espancadas, abusadas, e agrupadas para morrer. Hoje, 28 bilhões de animais por ano nos EUA são sujeitos a tratamento similar".
 
"Auschwitz começou a partir do momento em que alguém olhou para um abatedouro e pensou: são apenas animais" (filósofo judeu alemão Theodor Adorno).
 
"Como os judeus executados em campos de concentração, animais são aterrorizados quando eles são contidos em depósitos e manipulados para encomenda de abate. O couro do seu sofá e a sua bolsa de tiracolo são equivalentes morais aos abajures feitos de peles de pessoas mortas nos campos de concentração".
 
Em 2005, Ingrid Newkirk (presidente do PETA) publicou um comunicado de retratação referente ao tema :
 
"Hard as it may be to understand for those who were deeply upset by this campaign, I was bowled over by the negative reception by many in the Jewish community. It was both unintended and unexpected. The PETA staff who proposed that we do it were Jewish, and the patronage for the entire endeavor was Jewish. We were careful to use Jewish authors and scholars and quotes from Holocaust victims and survivors ... We believe that we humans can and should use our distinctive capacities to reduce suffering in the world ... Our mission is a profoundly human one at its heart, yet we know that we have caused pain. This was never our intention, and we are deeply sorry. We hope that you can understand that although we embarked on the "Holocaust on Your Plate" project with misconceptions about what its impact would be, we always try to act with integrity, with the goal of improving the lives of those who suffer. We hope those we upset will find it in their hearts to work toward the goal of a kinder world for all, regardless of species"
 
"Tão difícil quanto possa ser para alguns entender os que ficaram profundamente chateados com esta campanha, eu fiquei surpresa pela recepção negativa de muitos membros da própria comunidade judáica. O resultado foi inesperado e não intencional. O comitê do PETA que propôs a campanha era essencialmente judeu, e o patrocínio de toda esta campanha foi financiada por judeus. Fomos cuidadosos em usar autores e acadêmicos judeus assim como citações de vítimas e sobreviventes do Holocausto... Acreditamos que nós humanos possamos e devamos usar nossas capacidades de discernimento para reduzir o sofrimento no mundo... Sendo nossa missão profundamente humanística em sua essência, entendemos que nós causamos dor com esta empreitada. Esta nunca foi nossa intenção e nós sentimos profundamente por tudo isso. Esperamos que vocês possam entender que embora tenhamos embarcado no projeto "Holocausto na sua mesa" com más concepções sobre o impacto que este teria, sempre tentamos agir com integridade objetivando melhorar as vidas daqueles que sofrem. Esperamos que aqueles que tenhamos chateado, possam encontrar em seus corações forças em direção ao objetivo de um mundo mais gentil para todos, não importa a que espécie pertençam".
 
Desde então há um melindre muito grande de grupos ativistas pelos direitos animais em usar material "sensível à sociedade", evitando com isso diminuir o efeito de suas campanhas (já tão difíceis de emplacar).
 
Minhas impressões quanto ao tema :
 
O Holocausto foi um fato.
Milhões de pessoas morreram (não somente judeus: ciganos, prisioneiros politicos, crianças, homossexuais, etc) em detrimento de uma filosofia política em particular (a do Nacional Socialismo Alemão). De longe não é o maior genocídio da história (desnecessário citar a Revolução Russa e Chinesa Imperialista), mas seguramente é a que despertou maior comoção ocidental.
 
Os campos de concentração tinham por objetivo separar prisioneiros "úteis" dos "inúteis" (separar crianças, idosos, deficientes dos homens e mulheres aptos a trabalhos forçados) e sanear guetos de concentração da comunidade judáica.
 
Homens eram forçados a trabalhar na construção dos próprios campos de concentração e extermínio de prisioneiros (assim como na confecção de material bélico) e mulheres eram usadas como empregadas dos oficiais nazistas ou como classificadoras de pertences apreendidos (dinheiros, jóias, documentos, etc).
 
Isto é : Prisioneiros de campos de concentração eram usados de forma objetiva e direcionada. Eram considerados tão descartáveis como simples objetos.
 
Da mesma forma como negros e mulheres foram tratados há algumas décadas.
 
Da mesma forma como animais são tratados há séculos.
 
A campanha do PETA atingiu o nervo sensível da comunidade judáica que, evidentemente, reluta em alimentar lembranças negativas de entes queridos que sofreram nesse sistema. Isso é louvável. Ninguém gosta de relembrar como pessoas amadas foram tratadas de forma "desumana". Mesmo à mesa do jantar.
 
Curiosamente, assistindo documentários da BBC sobre sobreviventes do Holocausto, todos (absolutamente todos os entrevistados) declaram ter sido tratados como animais ou, segundo eles, "de forma que nem mesmo um animal deve ser tratado".
 
E mesmo assim, tenho sérias dúvidas que os mesmos sobreviventes tenham passado a ver com outros olhos o que comem diariamente. Duvido muito.
 
Ou seja : X pode; Y não pode (onde X = Y).
 
Até hoje não ficou clara e coerente a real razão da crítica à campanha do PETA.
 
Se por um lado há crítica quanto ao uso de uma triste memória para uma associação de idéias, não se pode negar que os fatos apresentados são plenamente reais e igualmente desencadeadores de sofrimento de terceiros em escala grandiosa.
 
Se por um lado o extermínio de judeus tinha cunho político e filosófico (sub-raça), condicionando-os a servir ou como força de trabalho/objeto, os mesmos eram exterminados quando seu fim não atendia aos objetivos dos mandantes da época.
 
Os críticos também temem que a associação entre o "parcial" vegetarianismo de Hitler e a causa dos Direitos Animais busque suavizar as atividades do regime nazista (o que claramente não foi a intenção).
 
Ainda que Hitler tenha sido "vegetariano", vincular uma conduta alimentar com uma filosofia de vida é de um amadorismo e conveniência gritante.
 
Alguns fatos :
 
Hitler tornou-se vegetariano essencialmente por problemas estomacais. Seu desconforto gástrico (aos 22 anos em Viena) foi amenizado pelo não-consumo de carne, uma vez que ele receava ser o desconforto um sinal inicial de câncer, moléstia essa que matou sua mãe Klara Hitler.
 
Hitler foi abstêmio, não-fumante e vegetarianopelo período de 1931-1945, infulenciado pelas teorias anti-semitas do compositor Richard Wagner que associava o futuro da Alemanha ao vegetarianismo. Hilter acreditava que sendo vegetariano podia ao mesmo tempo atenuar seus problemas de saúde assim como "regenerar" a raça humana.
 
Ainda que alegasse ser vegetariano, há registros de que Hitler consumia carne com regularidade na década de 30, em particular alguns pratos da culinária alemã que ele muito apreciava. Mais velho, tornou-se vegetariano mais rigoroso. No entanto acabava consumindo produtos animais em suas sopas (tutano de boi) sem conhecimento, uma vez que sua nutricionista Marlene von Exner desprezava sua dieta vegetariana.
 
Hitler também reprovava o uso de cosméticos que tivessem derivados animais em sua constituição.
 
Hitler gostava de dizer (para próprio deleite) durante jantares com convidados carnívoros o seguinte comentário : "Isso mostra quão covardes as pessoas são. Elas não podem encarar-se a si mesmas fazendo algumas coisas horríveis, mas elas desfrutam plenamente os benefícios dessa mesma atitude sem um pingo de dor na consciência".
 
Também observa-se em um registro de 25 de abril de 1943 do diário de Joseph Goebbels (The Goebbles´ Diaries) o seguinte comentário : "Uma boa parte de minha conversa com o Fuhrer foi devotada à causa vegetariana. Ele acredita mais do que nunca que o consumo de carne é nocivo à humanidade. É claro que ele sabe que durante a guerra nós não podemos 'chatear' completamente nosso organismo. Depois da guerra, entretanto, ele pretende lidar com esse problema também. Talvez ele esteja certo. Certamente os argumentos que ele sustenta em favor de seu ponto de vista são muito coerentes".
 
Assim, a crítica fez questão de associar de forma disparatada a associação "PETA - Hitler/Nazismo" enquanto a própria PETA fez questão de deixar claro que a associação veiculada em sua campanha girava ao redor da idéia "Judeus/Animais - Extermínio em massa".
 
Como é possível constatar, qualquer pesquisa sobre o tema não mostra qualquer argumentação digna de lógica.
 
O auto-engano e a manutenção de um costume (comer carne) são as desculpas para o benefício egóico do Homo sapiens.
 
Custe o que custar.
 
 
 

quinta-feira, 12 de junho de 2008

I am an animal - Documentário HBO

 
Estréia : HBO - 9 de julho de 2008
 
Trecho de entrevista de Ingrid Newkirk
 
"I think that animals are the most vulnerable of all victims, because not being human they are so easy to dismiss. It is the ultimate prejudice, really. Even if you are being rude or hurting somebody of another race or religion, there's something that pulls most people up short, because they realize they're human beings. But if you don't even have that going for you, then it's very easy to be treated like dirt, like an inanimate object."
 
Tradução livre :
 
Eu acho que os animais são as mais vulneráveis de todas as vítimas, uma vez que não sendo humanos, torna-se tão fácil ignorá-los. Na verdade, este é o cúmulo do preconceito. Mesmo se você estiver sendo rude ou agressivo com alguém de outra raça ou religião, existe algo que estimula a maioria das pessoas a reagirem, pelo fato delas perceberem que são seres humanos da mesma forma. Mas se você não entende aquilo como algo feito a você, então é muito fácil aceitar ser tratado como algo sujo, ser tratado como um objeto inanimado.
 

quarta-feira, 4 de junho de 2008

Dignidade com as cobaias

Acho tão patético quando o H.sapiens utiliza-se de uma lógica parcial e hipócrita para condenar uma dada atividade, quando a pratica descaradamente em outras situações.

O uso da palavra dignidade é seguramente usada sem real obediência ao seu significado mais básico.

Associação denuncia uso de cobaias humanas em pesquisas de malária (03/06/2008 - 15h41)

União e governo do Acre foram intimados a prestar esclarecimentos à Justiça. Segundo instituição, uso de agentes como 'iscas' viola os direitos humanos.
O juiz Jair Araújo Facundes, da 3ª Vara da Justiça Federal do Acre, intimou nesta terça-feira (3) o governo do Acre e a União a se manifestarem sobre denúncias do uso de cobaias humanas em pesquisas contra a malária. O despacho foi feito após a Associação Brasileira de Apoio e Proteção aos Sujeitos da Pesquisa Clínica (Abraspec) entrar com uma ação civil pública contra a União e o governo do Acre na semana passada.

O presidente da Abraspec, Jardson Bezerra, disse ao G1 que pelo menos nove agentes entomológicos moradores da região do Vale do Juruá denunciaram que foram obrigados a levar picadas e oferecer amostras de sangue, alem de ficar com o corpo nu, exposto aos mosquitos, com o objetivo de capturar insetos. Em troca, eles receberiam salário de aproximadamente R$ 850. A prática seria comum no estado desde o ano 2000.  

"Essa prática não pode continuar, porque viola os direitos humanos. Há uma resolução do Ministério da Saúde que determina que em todas as pesquisas que envolvem seres humanos deve ser dado tratamento digno aos participantes. O Acre viola essas regras. Há má administração de dinheiro público. A verba não pode ser usada para nada que prejudica a saúde pública e essas ações podem disseminar a doença", diz Bezerra. 

De acordo com Bezerra, lâminas com amostras de sangue eram lavadas e reutilizadas, o que expõe os agentes ao risco de contraírem doenças como hepatite e Aids. "Deixou de ser um risco para os agentes e passou a ser um risco para a saúde pública, já que eles podem transmitir doenças para outras pessoas, inclusive para suas famílias", diz

Procurada pela reportagem do G1, a Advocacia-Geral da União informou que ainda não foi notificada. Representantes do estado do Acre também informaram que o estado ainda não recebeu a intimação.

Falta de provas

O procurador da República no Acre, Anselmo Henrique Cordeiro Lopes, designado para o inquérito que investiga o caso, afirmou que está reunindo provas. Por enquanto, ele recebeu uma cópia da petição inicial da ação civil pública em que é pedida a adoção de medidas e punição para os responsáveis.

"O Ministério Público só poderá integrar a ação quando receber provas. Ainda não tenho como saber se isso poderá ser provado ou não. Há pessoas que dizem possuir fotos e documentos que comprovem a prática, mas ainda não recebemos", disse Cordeiro Lopes.

Nota oficial

O secretário de Estado de Saúde, Osvaldo de Sousa Leal Junior, divulgou nota oficial sobre as denúncias em que esclarece que o estado "não realiza pesquisas com cobaias humanas e condena o uso desta prática."

O Acre faria a captura do mosquito no momento da picada por meio de "atração humana", quando meias grossas são utilizadas para proteger a pele e o inseto é capturado antes da picada.

Segundo a secretaria, os técnicos de entomologia são treinados para capturar os insetos com aulas teóricas e práticas. "Desta forma, a técnica de atração humana está restrita aos profissionais devidamente conscientizados, capacitados, treinados para esse fim", diz a nota.

Segundo a secretaria, "a captura de mosquitos transmissores é um procedimento epidemiológico e entomológico de rotina, mundialmente adotado para o controle de vetores". O método seria aprovado pela Organização Mundial de Saúde.

segunda-feira, 26 de maio de 2008

Vitamina B12 : o mito

 
 
Uma das principais críticas à conduta vegetariana (principalmente, à conduta vegana, isto é, aquela em que não se consome qualquer produto derivado de animal tais como carnes, ovos ou leites) diz respeito à Vitamina B12.
 
Alegando ser o consumo de carne (ou derivados animais) necessário para a obtenção de vitamina B12 pelo organismo humano, a indústria do abate se mantém em franco crescimento.
 
O motivo é simples : Milhões de dólares anuais de lucros graças à indústria da carne.
 
Basta pensar um pouco no valor de uma cabeça de gado (um boi) e em toda a logística empresarial associada a esse sistema (fazendas, veterinários, atravessadores, frigoríficos, abatedouros, vacinas, etc). É comum estimar o poder empresarial de um pecuarista em função do número de cabeças de gado (três, cinco, dez mil ou mais) que este possui para criação e abate.
 
Saiba o leitor que uma cabeça de gado no Brasil corresponde a cerca de 1300 reais (http://www.assopec.com.br/pautadogado.htm).
 
Esse é o motivo do imenso lobby pró-carne no mundo e no Brasil.
 
A sua saúde (e a dignidade animal) é o que menos importa nesse sistema.
 
Um exemplo singelo dessa conduta hipócrita e falsa é a existência do Instituto Pró-carne (www.procarne.org.br)


Muito bem... Prossigamos.

Como o mercado alega ser o consumo de carne absolutamente necessário ao homem (pelo fato desta ser a "única" fonte de obtenção de vitamina B12), o leigo tende a descartar prontamente a conduta vegetariana/vegana já que entende que vegetais não fornecem vitamina B12.

Sendo assim, diante desse engodo, são necessários alguns fatos e esclarecimentos :

(Peço aqui ao leitor que tolere por alguns poucos segundos o eventual jargão bioquímico...)

A vitamina B12 é uma vitamina importante na formação do sangue, e necessária ao bom funcionamento do cérebro e Sistema Nervoso propriamente dito.

Detalhando mais: a vitamina B12 mostra-se envolvida na síntese e regulação do DNA além de participar em processos de síntese de ácidos graxos e produção de energia.

A vitamina B12 é uma complexa molécula de elevado peso molecular, normalmente portadora do elemento químico Cobalto em sua constituição (daí serem chamadas coletivamente de Cobalaminas).

http://pubchem.ncbi.nlm.nih.gov/summary/summary.cgi?cid=5479203

A vitamina B12 porém, é apenas uma de um grupo de 8 vitaminas do tipo B necessárias na alimentação. O agrupamento destas vitaminas do tipo B é chamado de Complexo B, a saber :

B1 (tiamina); B2 (riboflavina); B3 (niacina); B5 (ácido pantotênico); B6 (piridoxina); B7 (biotina); B9 (ácido fólico); e B12 (cobalamina).

Nota importante : Um frasco de Complexo B na farmácia com 90 pequenas drágeas custa aproximadamente 15 reais, ou seja, 6 centavos por drágea. Bastaria uma drágea a cada dois dias para suprir o organismo com um excesso de vitamina B12 necessário às funções vitais.

O uso do termo "vitamina B12" corresponde genericamente a uma das quatro variantes de vitamina B12 normalmente encontradas :

- cianocobalamina, hidroxocobalamina, 5-desoxiadenosilcobalamina (ou adenosilcobalamina) e metilcobalamina.

(onde na verdade a adenosilcobalamina é cofator (*) da enzima Metilmalonil Coenzima A Mutase (MUT) e a metilcobalamina é cofator da enzima 5-Metiltetrahidrofolato-Homocísteina Metiltransferase (MTR).

(*) cofator é uma molécula não-proteica que liga-se a uma enzima e é necessária para a ação biológica desta.

Atenção !!!

As moléculas de vitamina B12 não podem ser sintetizadas por animais e vegetais, sendo sintetizadas apenas por bactérias !!!

Espécies dos gêneros bacterianos a seguir são conhecidas como organimos capazes de sintetizar a vitamina B12 :

Aerobacter, Agrobacterium, Alcaligenes, Azotobacter, Bacillus, Clostridium, Corynebacterium, Flavobacterium, Micromonospora, Mycobacterium, Nocardia, Propionibacterium, Protaminobacter, Proteus, Pseudomonas, Rhizobium, Salmonella, Serratia. Streptomyces, Streptococcus e Xanthomonas spp.

As bactérias mais frequentemente usadas neste processo são a Pseudomonas dentrificans e a Propionibacterium shermanii.

A produção de vitamina B12 em escala industrial portanto ocorre através da fermentação de bactérias selecionadas e cultivadas em condições específicas.

(*) fermentação : processo de obtenção de energia através da oxidação de compostos orgânicos na ausência de oxigênio.

Assim, uma vez sintetizada a vitamina B12 por bactérias, o caldo bacteriano é coletado, processado e dele a vitamina B12 é purificada.

Como produto desse sistema de purificação temos a cianocobalamina. A cianocobalamina (uma forma de vitamina B12) na verdade não existe dessa forma na natureza. O grupamento ciano associado à cobalamina é um artifício industrial da purificação, uma vez que moléculas do tipo B12 ligam-se muito facilmente ao grupamento ciano.

Como esta forma da vitamina B12 (a cianocobalamina) é muito estável e insensível a oxidação (além de apresentar coloração vermelha característica e fácil cristalização), a mesma é amplamente usada como aditivo nutricional na indústria alimentícia.

É ela, a cianocobalamina (um produto bacteriano industrializado) que é a principal forma de vitamina B12 usada em alimentos na forma de suplemento nutricional.

- Mais detalhes sobre a Vitamina B12 :

A vitamina B12 tem como função recuperar os níveis de Ácido Fólico da célula aos seus níveis normais. Quando os níveis de Ácido Fólico encontram-se normais no organismo, todas as patologias relacionadas a níveis deficitários de vitamina B12 mostram-se inexistentes (é uma exceção a essa realidade, enfermidades intimamente ligadas à problemas nas enzimas MUT e MTR, onde a vitamina B12 é cofator essencial).

Muitas das funções que a vitamina B12 desempenha no organismo podem ser substituídas (ainda que não todas) pela presença de Ácido Fólico em quantidades suficientes. O ácido fólico é outro tipo de vitamina do complexo B (B9).

O ácido fólico (ou folato) é uma molécula muito usada na síntese de timina (T), um nucleotídeo essencial (juntamente aos nucleotídeos A, C, e G) na estrutura e informação contida no DNA.

Desde a década de 90, o Ácido Fólico tem sido sistematicamente implementado como aditivo nutricional à diversos alimentos, como por exemplo, farinhas. Portanto, a deficiência mundial para o Ácido Fólico tem se tornado relativamente mais rara.

Ainda assim, deficiências para vitamina B12 podem causar neuropatias e anemias sérias, mesmo se níveis de Ácido Fólico estiverem presentes nas quantidades sugeridas.

- Como o ser humano absorve a vitamina B12 ?

(1) A vitamina B12 ingressa no trato digestivo associada a glicoproteínas da saliva conhecidas como R-binders (haptocorrinas).

(2) Uma vez que as glicoproteínas são destruídas pela acidez do estômago, a vitamina B12 livre liga-se a um Fator Intrínseco (IF) estomacal o qual é produzido por células do próprio estômago (as chamadas células gástricas parietais).

(3) Essa associação da vitamina B12 com o fator intrínseco (IF), irá proteger a molécula do catabolismo bacteriano intestinal, local esse onde a vitamina será absorvida.

(4) O complexo IF/B12 é absorvido normalmente pela porção terminal do íleo no intestino delgado.

Agora atenção !!!

Indivíduos que apresentem enfermidades resultantes de deficiências de vitamina B12 não necessariamente praticam uma má alimentação! Estes indivíduos podem apresentar problemas em diversos outros pontos da etapa de processamento e absorção da vitamina B12 pelo intestino delgado.

Assim, antes de dizer que a dieta vegan (ou desprovida de carne e derivados animais) é a causadora de deficiência em B12, deve-se avaliar se os problemas estão relacionados ao suprimento de vitamina B12 na dieta ou se o problema está na má absorção de B12 e/ou processamento enzimático de B12 pelo organismo.

Saiba que a quantidade total de vitamina B12 armazenada pelo organismo oscila entre 2000-5000 microgramas (mcg) em adultos.

80% desse montante encontra-se no fígado.

Cerca de 0,1% dessa quantidade é perdida diariamente através das secreções gástricas. A dinâmica dos níveis de B12 no organismo está relacionada ao balanço de quanto de B12 é secretado e reabsorvido pelo organismo e o quanto é obtido pela dieta.

Atenção novamente !!!

Animais não produzem vitamina B12 !!!

A obtenção de vitamina B12 é direta ou indiretamente possível através de bactérias. Bactérias que produzem vitamina B12 normalmente vivem em regiões do aparelho digestivo do animal.

Assim, animais herbívoros (como o boi, p.ex, o qual é incapaz de produzir vitamina B12) a obtém de bactérias encontradas em seu rúmen ou através da fermentação de material vegetal no seu estômago.

Segue o link de uma tabela de alimentos que apresentam vitamina B12, elaborada pelo renomado Instituto Nacional de Saúde Americano (NIH) :

http://ods.od.nih.gov/factsheets/vitaminb12.asp#h2

Percebam que as três primeiras linhas da tabela (moluscos, fígado e cereais matinais) correspondem aos alimentos que apresentam respectivamente, 1400%, 780% e 100% das necessidades diárias (DV - Daily Value) para um adulto de vitamina B12, estabelecidas pelo FDA (Food and Drug Administration). A necessidade diária de vitamina B12 é de 6 microgramas (mcg).

Como descrito na tabela, a vitamina B12 é encontrada em alguns produtos de origem animal (em grandes quantidades no fígado e "frutos" do mar tais como moluscos, crustaceos e equinodermas). A Vitamina B12 também é encontrada em produtos lácteos e ovos. Ainda que ovos apresentem também vitamina B12 em níveis consideráveis, os ovos ao mesmo tempo apresentam um fator molecular que bloqueia sua absorção pelo intestino (referência : Doscherholmen A et al. (1975). Proc Soc Exp Biol Med, Sep;149(4):987-90).

Agora atenção a mais um detalhe :

A vitamina B12 é encontrada em grandes quantidades no fígado e frutos do mar !

A dieta carnívora moderna nitidamente não contempla ao fígado ou frutos do mar a posição de principal alimento nas refeições diárias de 90% da população moderna!!!

- E com relação a produção de vitamina B12 pelos vegetais ?

Plantas são capazes de fornecer vitamina B12 se as mesmas estiverem associadas às bactérias do solo que produzem B12 (encontradas normalmente em suas raízes). Ironicamente, o hábito de lavar intensamente os vegetais para consumo faz com que os índices de bactérias produtoras de B12 presentes em vegetais seja mínimo.

Mesmo assim, no mercado encontram-se diversos produtos alimentícios enriquecidos com vitamina B12 (cianocobalamina), tais como produtos à base soja, cereais matinais, barras de cereais, leites vegetais, refrigerantes e outros.

A culinária vegana tem por hábito obter quantidades mais que suficientes de vitamina B12 para a alimentação através da fermentação de grãos de soja, e a consequente produção de uma pasta chamada de Tempeh.

- Considerações Finais :

Como é possível notar, bactérias produzem vitamina B12.

Estas encontram-se normalmente habitando regiões do sistema digestório de animais, tais como os ruminantes (os quais alimentam-se exclusivamente de vegetais).

A vitamina B12 produzida por essas bactérias acaba sendo transferida a tecidos do ruminante, notoriamente armazenadas em grande quantidade em seus fígados.

É amplamente dominada a técnica de produzir vitamina B12 em escala industrial (através da fermentação de bactérias específicas produtoras de cobalamina).

A suplementação de vitamina B12 (na forma de cianocobalamina) e/ou Ácido Fólico  (B9) em alimentos indrustrializados é comum.

Como demonstrado, o custo da vitamina B12 é baixo (6 centavos de real por drágea). Cada drágea vem com quantidade diária em excesso para vitamina B12.

No que diz respeito ao consumo de carne e aquisição de vitamina B12 através da mesma, somente faria sentido defender a carnivoria caso o tipo de carne consumido fosse voltado essencialmente a peças de fígado ou frutos do mar (o que não é o caso). Se cereais matinais fornecem 100% da necessidade diária de vitamina B12, o consumo de carne perde significado com relação a esse quesito.

Assim, colocando-se na balança da Ética e da decência o motivo pelo qual submetemos animais não-humanos a uma indústria de sofrimento e desrespeito (sendo o motivo este em teoria a obtenção de vitamina B12 por meio de seus cadáveres) e os reais custos e necessidades da obtenção de vitamina B12 por outros meios (fermentação industrial de bactérias produtoras de vitamina B12), não há qualquer argumento lógico, ético ou moral que justifique a manutenção e estímulo à indústria do abate e humilhação animal.

Aquele que crítica a conduta vegan apoiando-se no discurso da vitamina B12, ou não sabe o que diz, ou esconde-se atrás da hipocrisia para defender um capricho gustativo e egoísta em detrimento do bem-estar dos animais.

sábado, 24 de maio de 2008

Uso de Animais na Ciência - 7


CONSIDERAÇÕES FINAIS

O pesquisador, como homem de ciência, tem como objetivo maior a busca da verdade através dos fatos objetivos inerentes ao seu trabalho. A Ética é subjetiva e, entre seus preceitos, tenta estabelecer a relação entre o Bem e o Mal, portanto, ela jamais pode ser considerada científica. Aliás, a Ética é, em si, tão complexa, que é difícil enquadrá-la em qualquer dos ramos do saber, apesar de pertencer a toda atividade humana. Assim sendo, alcançar o equilíbrio entre a pesquisa científica e a Ética é muito difícil.

Não se contesta que preceitos éticos são complexos e relativos. Daí resultar difícil enquadrar a Ética como um ramo da ciência (um campo do conhecimento que busca a certeza). Ainda assim, o homem da ciência consegue discernir o fato da idéia, o subjetivo do objetivo, o preto do branco. Resulta simples para uma pessoa razoavelmente sensível, perceber que é interesse de todo ser vivo afastar-se de fatores lesivos ou desconfortáveis, e aproximar-se do maior ganho sensorial possível. Todo ser vivo busca o "prazer" e repudia a "dor". Essa é uma característica notoriamente observada no mundo vivo. Proporcionar o desconforto a terceiros é situação singular, normalmente apenas "justificada" mediante ameça a sobrevivência real e imediata. O uso de animais como objetos de manipulação e inferência científica a respeito da biologia humana mostra-se absurdamente ilógica, ultrajante e pouco eficaz. Por mais que a Ética seja um princípio relativo, não é possível ignorar o panorama atual vivido, resultado da exploração humana do reino não-humano. Há pouco tempo atrás negros, mulheres e judeus eram considerados entidades sub-humanas e portanto plenamente sujeitas a qualquer tipo de violência. Já não se defende isso. O homem constrange-se em rever semelhante comportamento ilógico.

Alcançar equilíbrio entre ciência e ética talvez seja uma realidade difícil, mas ainda assim resulta mais difícil aceitar a tremenda incoerência e paradoxo humano, que preocupa-se em defender uma postura ilógica e hipocritamente criticá-la ao mesmo tempo quando esta mostra-se de alguma forma inconveniente aos seus interesses. O capricho humano não justifica metade de seu modus operandi nem a realidade atual vivida. Mesmo assim, ele (o capricho humano) é defendido e cultivado a todo momento. Desde a infância...

A experimentação animal é um dos principais alicerces do progresso da Medicina. Sabe-se também que o progresso altera os códigos de ética e a sua interpretação, já que, por definição, as normas são subjetivas e arbitrárias. Diante desse fato, é preferível evitar-se qualquer extremismo, tanto por parte dos pesquisadores quanto daqueles que, por suas verdades transitórias, tentam alterar os caminhos do avanço científico.

Uma pequena revisão da História Humana mostra que os grandes saltos na Medicina foram aqueles que apoiaram-se na demonstração de fatos científicos experimentados no H.sapiens. Por mais que se usem modelos para inferir algo a respeito do homem, certezas serão apenas alcançadas quando o Homem for o objeto da experimentação. Em medicina e ciência trabalha-se com certezas, e não com suposições.

O progresso científico está longe de poder substituir os experimentos em animais por métodos alternativos. Por outro lado, não se devem ignorar os "direitos dos animais", que talvez não raciocinem e certamente não têm como se defender do homem, mas desejam viver sem sofrimento.

O homem subestima-se quando lhe convém. Não reluta em conquistar outros sistemas solares mas deprecia-se no momento de abdicar de uma prática que LHE é conveniente mas ultrajante a terceiros. O homem pode sim prescindir do uso de animais em laboratório. Basta entender e aceitar que animais de laboratório não correspondem a modelos precisos de sua biologia.

A utilização dos animais nas investigações científicas deve ser vista sob três aspectos: científico, ético e legal. Se o pesquisador mantiver a sua atividade equilibrada nesse tripé, terá maiores chances de progredir sem comprometer o seu trabalho e o seu nome.

Sob meu ponto de vista, o nome de alguém está já comprometido quando este reluta em evitar o sofrimento alheio. Sofrimento por sofrimento, então que esse sofrimento valha a pena no menor número de etapas possíveis. Se queremos entender a biologia humana e salvar vidas no menor espaço de tempo, experimentos em humanos satisfazem os preceitos acima. Experimentação animal é perda de tempo, dinheiro e muito mais vidas humanas Talvez a sociedade não aprove essa conduta por enxergar-se como potencial vítima da mesma estratégia. Mas então que ela não feche os olhos diante da mesma conduta e seus ultrajes quando a mesma for aplicada a outros que não eles mesmos, isto é, animais não-humanos. A hipocrisia não é uma qualidade.

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Uso de Animais na Ciência - 6


LIMITAÇÕES ÀS PESQUISAS EM ANIMAIS

Além das agremiações de antiviviseccionistas, já discutidas neste artigo, existem outros fatores que interferem nas pesquisas em animais. Os valores íntimos do pesquisador são, talvez, o maior obstáculo ao trabalho com animais. Qualquer ser humano que não tenha distúrbios de comportamento, sente uma grande dificuldade em provocar o sofrimento de um animal, por mais importante que seja o objetivo de seu trabalho. É necessário um penoso processo de supressão emocional em relação ao animal para que se possa realizar qualquer investigação. Essa situação torna-se ainda mais grave nos trabalhos de longa duração, em que é inevitável o envolvimento emocional do pesquisador com o animal.

Portanto, que fique claro o "penoso processo de SUPRESSÃO emocional" desejado. Um efeito em primeira análise totalmente artificial.

Se a pressão psicológica for insustentável, o pesquisador deverá afastar-se da investigação, porém divulgando as suas idéias, para que outras pessoas tenham a oportunidade de desenvolver o trabalho que possa resultar em uma contribuição científica importante. Um fato completamente imoral e inaceitável é o pesquisador, incapaz de realizar o trabalho, em decorrência de obstáculos individuais, obrigar seus subalternos a realizá-lo.


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Um fato COMPLETAMENTE IMORAL e INACEITÁVEL é o pesquisador, incapaz de realizar o trabalho, em decorrência de obstáculos individuais, obrigar seus subalternos a realizá-lo." O que acontece o tempo todo. É isso que acontece diariamente quando alguém que consome carne ou derivados animais em suas refeições PAGA para que uma empresa ou indivíduo execute e processe o animal que ele não tem coragem de executar. O cidadão comum não que ter real noção do que consome (por pura conveniência) uma vez que sabe o desconforto que isso envolve. O auto-engano.

A maior vantagem das pressões sociais sobre os pesquisadores foi a melhoria da alimentação e das condições de alojamento dos animais. Com vista também à proteção das pessoas envolvidas na pesquisa, tornou-se obrigatório vacinar os animais, tratá-los de eventuais doenças e assegurar a sua procedência. Em contrapartida, essas exigências oneraram substancialmente as investigações. Se for ponderado que a maioria dos recursos investidos em pesquisa são parcos e que os pesquisadores raramente são abastados, concebe-se o obstáculo que essa conjuntura traz à realização do trabalho. Nos Estados Unidos, por exemplo, cada cão custa, no mínimo, 30 dólares. Considerando o tipo de pesquisa realizada, sua duração, a alimentação e o ambiente a ser oferecido, o orçamento com cada animal pode alcançar várias centenas de dólares. Esse valor não inclui os demais gastos com a investigação. Em nosso país, ainda não se atingiu esse exagero, em contrapartida, o dinheiro investido aqui na pesquisa representa uma fração insignificante, comparando-se com a maioria dos outros países.

Mais uma vez fica evidente a consideração de animais como objetos e a importância de seus custos. É esse no final das contas um dos principais pontos que governa o uso de animais de forma indiscriminada em nossa sociedade: custos, custos, custos. Depois temos o aspecto "eles não podem se opor a isso". A "melhoria" das condições de alimentação, alojamento e tratamento dos animais é interessante à confiabilidade do experimento, e não, aos interesses do animal. O principal e único interesse dele nesse instante é NÃO PARTICIPAR DE EXPERIMENTAÇÃO CIENTÍFICA.

Mesmo o objetivo do trabalho sendo importante, o pesquisador deve ser capaz de realizá-lo com o mínimo de animais necessário à obtenção das respostas às indagações que originaram a pesquisa. Como a vigilância à investigação científica no Brasil ainda é muito precária, uma forma de se controlar o abuso contra os animais é através das instituições de fomento às pesquisas e das revistas especializadas em divulgá-las. Em ambos os setores existem profissionais competentes e com profundo conhecimento científico que limitam o fornecimento de recursos ou impedem as publicações dos trabalhos de pesquisadores afoitos que julgam, de forma errada, que a investigação científica se mede pelo volume de sua amostragem.


Diante de minha experiência em Ciência, tenho sérias dúvidas de que esse controle seja real e concreto em qualquer parte do mundo. Os interesses que prevalecem são todos, mas em último lugar sempre o interesse dos animais usados como objetos.

Uso de Animais na Ciência - 5


ESCOLHA DO MODELO ANIMAL

Ao se planejar qualquer prática em animais, seja para ensino ou para pesquisa, deve-se ter claro quais os objetivos do experimento. Os animais vivos somente devem ser utilizados nos casos em que forem indispensáveis. Os experimentos que não forem prejudicados por modelos in vitro ou por outras alternativas devem ser conduzidos desta forma.

Experimentos que usam animais como ferramenta têm normalmente por objetivo avaliar (1) resposta fisiológica (tolerância/letalidade) do modelo animal a um composto ou procedimento, (2) eficácia ou otimização de procedimento invasivo em modelo animal, (3) verificação de alteração comportamental ou fisiológica mediante algum estresse químico, físico ou biológico, entre muitos outros. Não há qualquer experimento que utilize-se de animal como ferramenta, que não o submeta a humilhação, injúria ou violação de princípios básicos de dignidade. Animais de laboratório são TODOS descartáveis a curto, médio ou longo prazo.

Antes de se escolher o animal, é preciso buscar na literatura subsídios para a opção mais adequada. Havendo mais de uma alternativa, utilizar os animais menos desenvolvidos filogeneticamente e que puderem ser obtidos em número suficiente, com maior facilidade. Esses princípios são responsáveis por serem os roedores, em especial os ratos, os animais empregados rotineiramente na maioria dos trabalhos científicos. Nos Estados Unidos, 88 % das práticas são realizadas com ratos, camundongos, cobaias e coelhos, enquanto cães são utilizados em 0,35 %, porcos, em 0,28 %, gatos, em 0,14 % e macacos, em 0,03 % das pesquisas e/ou aulas. Outros animais fazem parte de pesquisas especiais ou estão no domínio da Veterinária. Na Inglaterra, a proporção aproximada do uso de animais em pesquisa e ensino é: camundongos (65 %), ratos (22 %), coelhos (6 %), cobaias (4 %), cães (2 %), gatos (1 %) e macacos (< 0,1 %). Outros animais não foram registrados.

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Havendo mais de uma alternativa, utilizar os animais menos desenvolvidos filogeneticamente e que puderem ser obtidos em número suficiente, com maior facilidade." Esse é o indicativo básico do que usa-se como motivação na escolha de animais como ferramentas de experimentação: custo, quantidade, tempo dispendido, praticidade. Em nenhum momento consideram-se quaisquer aspectos éticos ou sensoriais, assim como não se considera que organismos filogeneticamente menos desenvolvidos fornecem na verdade indícios falsos ou imprecisos de comportamentos que não serão observados em organismos filogeneticamente mais desenvolvidos (como é o caso do uso de camundongos para inferir respostas no H.sapiens). Perceba o baixo percentual do uso de primatas para experimentação científica (ainda que o número de primatas sacrificados seja imenso na realidade). A razão é simples : 9 em 10 pesquisadores desejariam fazer experimentação em primatas (por serem o "modelo" animal mais parecido ao ser humano - obs: o único modelo adequado para estudar com precisão o ser humano é o ser humano propriamente dito). As verdadeiras razões pelo não uso de primatas como desejado são duas : (1) os elevados custos de manutenção e infraestrutura de biotérios de primatas, (2) a dificuldade de alguns centros ou técnicos de desvincular semelhanças entre primatas e seu alvo de estudo (o homem). Fica assim evidente o desrespeito e o paradoxo : se por um lado animais são tratados como objetos (desprovidos de sentimentos ou desejos) em que unicamente consideram-se aspectos orçamentários de sua manutenção, por outro lado alguns animais (primatas) são comparados à seres humanos despertando claramente o desconforto de submeter criaturas semelhantes a experimentação científica sádica e desrespeitosa. Fica a mensagem : o uso de animais de qualquer categoria é anti-ético e naturalmente desperta sensações que deliberadamente queremos ignorar por conveniência (maiores quanto maior for a semelhança à nossa espécie). As justificativas para uso de animais em laboratório, apoia-se na mesma lógica do uso de humanos com os mesmos fins.

O pesquisador deve conhecer bem as particularidades dos animais com os quais trabalha. Dados biológicos, como o tempo de vida, fases do desenvolvimento e características reprodutivas são parâmetros fundamentais a serem controlados. As necessidades nutricionais e o alojamento mais adequado, bem como o comportamento do animal frente aos agentes ambientais são outras particularidades prioritárias a serem dominadas pelo pesquisador, para evitar desconforto ao animal ou interferir no trabalho a ser realizado.

Traduzindo : por "evitar desconforto animal ou interferir no trabalho a ser realizado", o autor quer dizer que o que realmente importa aqui é o trabalho realizado. A preocupação com o desconforto animal não é levantada por razões éticas, mas sim porque o desconforto animal representa mais uma variante ambiental a considerar na análise final dos dados. E qualquer profissional de ciência (ou não) percebe que quanto menor o número de variáveis ambientais incidindo sobre o experimento, maior a confiança na análise do mesmo.

Os animais apresentam peculiaridades fisiológicas características a cada espécie. Tomando como exemplo a temperatura corpórea, na maioria dos mamíferos ela se encontra entre 38 e 39oC. Já a freqüência cardíaca varia desde 70 batimentos por minuto, no porco, e 80, no cão, até acima de 400, no rato e camundongo, passando pelo gato, com 120, e coelho, com 200 batimentos por minuto. O abdome dos mamíferos é, no geral, parecido com o humano, mas o fígado apresenta morfologia lobular diferente e o baço é proporcionalmente maior e mais móvel do que o humano, na maioria das espécies. No rato, o estômago é dividido em duas partes (pré-estômago e estômago), o apêndice cecal é muito maior do que o ceco e a vesícula biliar é quase inexistente.

Diante de tantas variações morfológicas, podem-se esperar que as diferenças fisiológicas sejam ainda mais complexas entre os animais e em relação ao homem. Contudo, a maioria das pesquisas realizadas com os animais adequados resultam em informações próximas das que podem ser esperadas no homem.

Me impressiona a incoerência lógica e científica entre profissionais que lidam com Ciência. "Informações próximas das que podem ser esperadas no homem" não tem o mesmo significado que "Informações idênticas das que são observadas no homem". O autor destaca claramente que animais não-humanos são exatamente isso: animais não-humanos. Portanto, animais não-humanos não devem ser considerados como "modelos" para inferência científica em humanos.

Existem subsídios na literatura para a escolha do melhor modelo animal. Dessa forma, o camundongo se presta mais às práticas de choque, sepse, queimaduras, obesidade, megacólon e câncer. Como já foi mencionado, o rato é o animal mais utilizado nas práticas científicas, porém ele é mais apropriado para trabalhos envolvendo choque, sepse, obesidade, peritonite, câncer, úlceras gástricas, operações intestinais, estudos do sistema mononuclear fagocitário, baço, cicatrização e transplantes de órgãos. O coelho é empregado para estudos sobre a pele, pesquisas imunológicas, choque, inflamação, colites ("Crohn"), operações vasculares e transplantes. O cão é outro animal muito útil à pesquisa e ao ensino de técnica operatória; as investigações mais comuns nesse animal são choque, má absorção, megas, colites, pancreatites, operações hepáticas e esplênicas, além de transplantes. Os outros animais não fazem parte da rotina de pesquisa. Assim, os porcos são estudados em trabalhos com fígado, úlcera péptica e transplantes; os cavalos em hematologia; e os macacos, em investigações comportamentais e nas pesquisas mais sofisticadas, com vista a aplicações subsequentes no homem. Os sapos e pombos são mais úteis em aulas práticas básicas.

Creio que o singelo parágrafo acima resume muito do absurdo que venho ilustrando.

quinta-feira, 22 de maio de 2008

Uso de Animais na Ciência - 4


PONDERAÇÕES SOBRE O ENSINO

Além de ser um elemento fundamental e indispensável ao progresso da Medicina, a vivissecção é também de extrema utilidade na educação médica. O ensino nos cursos de Biologia, Farmácia e Veterinária também são inconcebíveis sem as aulas práticas em animais.

"Inconcebível". Por definição é aquilo que não é possível conceber, imaginar e/ou construir. Exploremos esse assunto :

Ao estudar o corpo humano frequentamos aulas de anatomia, exploramos literatura como Atlas Anatômicos e Histológicos e manipulamos cadavéres inteiros (ou seus fragmentos) conservados em formol (tais peças pertencem a indigentes ou cidadãos sem identificação - daí a regular cerimônia ao Cadáver Desconhecido; algumas poucas vezes alguém (ou sua família) doa o próprio corpo para fins de estudo). 

Essencialmente entretanto, boa parte do aprendizado de um médico nos primeiros 3 anos de seu curso, baseia-se no estudo do organismo humano na teoria e na intensa prática de manipulação cadavérica.

Passados meses de estudo das peças sem vida, alunos de medicina ou afins migram para estudos de peças vivas (pertencentes a cães e porcos em sua maioria). A idéia reside na manipulação invasiva de animais não-humanos que apresentem disposição e/ou anatomia de orgãos e tecidos "parecida" à encontrada em humanos. Os animais "modelos" são abertos sobre mesas cirúrgicas (dopados e/ou anestesiados – dois procedimentos bem distintos) e os alunos são orientados a executar uma série de procedimentos clínicos ou cirúrgicos no mesmo. O ensino visa transmitir ao aluno protocolos e técnicas de manipulação de orgãos vivos e observar dinamicamente os efeitos positivos e negativos que determinados fármacos ou procedimentos causam aos mesmos.

Por exemplo, administrando-se uma solução de sal potássico nos sistema circulatório do animal "modelo", o aluno pode constatar/sentir os efeitos fibrilatórios sobre a musculatura cardíaca e como o organismo responde à essa substância. O mesmo procedimento visa também mostrar ao aluno, como a administração de determinados compostos farmacêuticos podem reverter o quadro fibrilatório e letal ao orgão em questão. Um outro procedimento pode consistir em uma modificação vascular ou tecidual através do corte e sutura das partes envolvidas. Terminada a aula, o animal é sacrificado.

Perceba entretanto que somente após muitos meses, muito estudo teórico, e muitas vivisecções animais, o aluno de medicina enfrenta seu verdadeiro alvo: um ser humano vivo e real. Esse momento é sempre acompanhado de "profissionais" que já adquiriram experiência prática na manipulação de humanos e onde o mesmo, a princípio, responde pelo erro e imperícia clínica e cirúrgica de seu pupilo (caso execute alguma).

Faço questão de frisar que o aluno (ou futuro médico) enfrentará o verdadeiro alvo dele (um outro ser humano) numa situação artificial. Ainda que sua "vítima" seja um paciente real e com problemas reais, o aluno irá encontrar-se assessorado por um outro profissional que deseja a todo custo não permitir que um procedimento equivocado seja realizado (o futuro médico não enfrentará isso na sua prática profissional indepedente). Caso um procedimento equivocado seja concretizado, três situações podem ocorrer no mundo real: (1) o aluno é responsabilizado, (2) o profissional-tutor é responsabilizado, ou (3) o erro não é divulgado. Como diz o ditado "O erro médico a terra cobre".

Para o paciente que recebe a prescrição clínica ou intervenção cirúrgica, todos os profissionais à sua volta são teoricamente pessoas muito experientes na manipulação de partes vivas humanas. Mas perceba que o aluno treinou intensivamente em viviseccções de cães e porcos ! Em algum momento ele irá realizar o seu procedimento sobre um humano pela primeira vez. E essa primeira vez será tensa, perigosa e desconhecida, simplesmente por tratar-se de um ser humano real.

(Atente para o detalhe curioso de que o paciente, na maior parte das vezes, não faz a menor idéia de quem irá manipular o bisturi ou administrar o fármaco em seu organismo. Alunos de medicina precisam aprender. Se os pacientes fossem questionados sobre sua aceitação em servir de objeto de manipulação didática para aprendizes de medicina, é certo que o paciente sentiria-se inseguro e relutante. Afinal, pacientes não gostariam de serem tratados como cobaias de acadêmicos de medicina. Mas o são o tempo todo).

Muito se argumenta de que a segurança prática que alunos adquirem na manipulação humana jamais seria alcançada se o mesmo aluno não tivesse feito diversas vivisecções (ou experimentaçãoes ) animais e pudesse ver o que pode e o que não pode dar errado num dado procedimento. Resumindo : somente através dos erros e acertos praticados na vivisecção (ou experimentação) de animais não-humanos, o aluno executará com precisão um dado procedimento em humanos.

Em teoria...

Lidemos agora com alguns fatos.

Um organismo vivo é algo muito complexo.
Qualquer profissional de saúde ou estudioso das ciências naturais sabe disso.

Organismos vivos são uma intrincada associação de moléculas, células, tecidos, orgãos, sistemas, sujeitos a uma dinâmica multi-fatorial do ambiente sem precedentes.
Ainda que saibamos muito sobre organismos vivos, sabemos com certeza que sabemos muito pouco sobre o assunto.

Quando sabemos pouco sobre algo, nos dedicamos a experimentação controlada do nosso objeto de estudo. Aprendemos que o melhor modelo para praticar experimentação sobre aquilo que nos interessa, é o objeto de estudo propriamente dito (se desejo aprender a andar de moto, melhor se pratico numa moto - se desejo aprender a subir uma montanha X, melhor se pratico na montanha X).

Algumas vezes entretanto, por alguma razão, o objeto de estudo pode encontrar-se indisponível. Nessa situação, usamos modelos para estimar o comportamento/funcionamento de nosso experimento com aquilo que nos interessa. Quanto mais parecido o modelo, mais precisa será a experimentação.

A relação de semelhança entre modelo e objeto de estudo é o que distinguirá a estimativa da previsão.

E é isso o que acontece no uso de animais para a compreensão de mecanismos biológicos humanos ou para a prática de procedimentos manuais. O animal "modelo" não é modelo para o sistema humano. Humanos são modelos para o sistema humano. Defende-se que porcos tem orgãos do tamanho dos encontrados em humanos e cães são boas ferramentas para manipulação cirúrgica. Se a Ética contesta o uso de humanos como objeto de estudo direto, devemos nos perguntar porque o mesmo princípio não é aplicado aos animais não-humanos. Os argumentos sempre levantados diante dessa pergunta são :

(1) animais não-humanos não sentem dor/sofrimento;
(2) animais não-humanos não têm consciência de si mesmos como indivíduos;
(3) a vida de uma animal não-humano não equivale a de um animal humano;
(4) o homem é o único organismo que pratica Ciência;
(5) o homem pode fazê-lo e portanto o faz;
(6) animais não-humanos são inferiores (intelectualmente e moralmente) aos humanos;

Qualquer análise sincera desses tópicos esclarece a tremenda e brutal parcialidade do uso de animais não-humanos em experimentação científica e ensino biológico (uma vez que os argumentos acima são indefensáveis).

Não resulta inconcebível transmitir conhecimento evitando submeter animais a dor/sofrimento/estresse. A tecnologia humana é bastante desenvolvida para permitir que alunos da área de saúde compreendam muito bem a matéria que estão estudando sem submeter "modelos" inadequados à manipulação inescrupulosa e anti-ética.

- Não necessitamos submeter pessoas a explosões para ensiná-las sobre o poder explosivo de uma substância.
- Não precisamos conduzir alcoolizados para entender as consequências da embriaguez na condução de veículos.
- Não precisamos submeter crianças ao assédio moral para deduzir que isso possa transtorná-las no futuro.

O desenvolvimento de simuladores artificiais é tão impreciso (ou menos) quanto o uso de "modelos" animais inadequados. Entretanto o primeiro não envolve a violação de princípios básicos de dignidade a um ser vivo. Um aluno de medicina que consiga apenas aprender a suturar um tecido, ou extrair um orgão, ou cortar uma perna usando um ser vivo como referência deve se perguntar se entende de fato o material no qual fará procedimento igual (ou seja, um ser humano). Resulta ainda mais constrangedor defender o contrário diante do fato de que nenhuma pessoa deseja  submeter-se ao aprendizado do aluno nopapel de cobaia. Tal negação demonstra claramente o caráter agressivo, humilhante e indigno de ser cobaia de algo. Se ser cobaia é indigno para um homem, ainda continua o sendo para um organismo que sequer foi consultado a assumir tal posição.

Quando alguém dedica-se ao aprendizado de pilotar uma aeronave, o interessado entende que precisa dominar a teoria e o que se conhece dela. Sabe também que precisa conhecer a estrutura mecânica (anatômica) da aeronave que pretende pilotar. Sabe também que antes de lançar-se ao vôo efetivo, o uso de simuladores artificiais é aconselhado. Somente após horas de simulação de vôo, esse alguém se prestará a alçar vôo real acompanhado ou não de um tutor, transportando ou não uma tripulação e passageiros.

O futuro piloto não se prestará a pilotar uma aeronave "parecida" a que ele de fato deseja pilotar, por saber que isso não lhe confere expertise nem segurança na aeronave que ele de fato deseja pilotar!!!

Para tanto o futuro piloto preferirá escolher um simulador virtual a ter que se submeter a arriscar a própria vida em uma nave parecida ou na nave que deseja pilotar.

Ambas as situações (futuro médico e futuro piloto) necessitarão de aprendizado prévio e muita prática. Isso não se contesta. Ambos aprendizes serão orientados por pessoas mais experientes. Ambos os pupilos em algum momento sujeitarão terceiros (ignorantes em relação a serem feitos de cobaias) à teoria e pratica estudada. Qual é essencialmente então a diferença moral entre o aprendizado de medicina e o aprendizado de vôo ?

Enquanto o futuro piloto não teve a necessidade de dissecar aves diversas para entender seu mecanismo de vôo, o futuro médico/cirurgião submeteu organismos "modelos" à vivisecção para melhor entender o seu futuro instrumento de trabalho. Sendo que os "modelos" animais NÃO são seu instrumento de trabalho, isto é, não são seres humanos !

Resumindo : por mais que cães e porcos tenham sido usados em aulas práticas coletivas, o aluno jamais estará seguro de que pode desempenhar um determinado procedimento invasivo sem erro. A prática definitiva será obtida em seres humanos. Isto quer dizer que, para que um aluno possa desempenhar com frieza e segurança um dado procedimento em humanos, OU ele submeterá pacientes às suas primeiras experiências OU terá aprendido antes com modelos animais inadequados (cães, porcos, macacos, etc).

Até o final da década de oitenta, as disciplinas de Fisiologia, Farmacologia e Técnica Operatória eram amplamente ilustradas com experimentos em diferentes animais. Tais aulas não somente tornavam reais as explicações teóricas, muitas vezes difíceis de serem compreendidas, mas também ofereciam oportunidade de adestramento manual e despertavam nos alunos interesse pela pesquisa.

Interesse pela pesquisa não exige submeter os interessados a tortura de animais não-humanos. O interesse vêm da curiosidade regida pela ética.

Nos Estados Unidos, foram entrevistados médicos formados nos últimos 20 anos. Desses, 90 % tiveram experimentos em animais durante o curso de graduação, sendo que 91 % deles atribuíram grande valor a tais aulas e 93 % insistiram na necessidade de sua continuação no curso médico. Em relação à disciplina de Ética, ainda nos Estados Unidos, 93 % dos cursos de Medicina a oferecem a seus alunos. A sua duração varia entre dois e três meses, com uma a duas aulas semanais. Desses cursos, 71 % abordam a ética aplicada à pesquisa, com 74 % dos alunos assistindo a tais aulas. Não há dúvida quanto ao valor da disciplina de Ética para despertar nos alunos a consciência sobre o sofrimento do animal, apesar de sua necessidade para o ensino e pesquisa. Outro aspecto a ser abordado por essa disciplina é a importância do animal no contexto social, dando ênfase também aos aspectos legais.

"Naturalmente", o homem ciente do que é ser cobaia e a que elas são submetidas, acha primordial que animais sejam ainda utilizados na experimentação científica ou ensino biológico. O raciocínio é simples : "Contestar o uso de animais nesses procedimentos é abrir espaço para o uso de humanos como cobaias. E eu não gostaria de ser uma cobaia!"

Embora haja quase uma unanimidade entre os médicos sobre a importância dos cursos de Medicina com aulas práticas em animais, a forte influência da sociedade reduziu essas aulas consideravelmente. Assim, nos Estados Unidos, atualmente, 53% dos cursos de Fisiologia, 25 % dos de Farmacologia e 19 % dos de Cirurgia ainda "ousam" ensinar em animais vivos. Em contraposição, as escolas de Medicina têm aprendido cada vez mais a ministrar aulas com modelos alternativos, como filmes e outros recursos tecnológicos.

O próprio autor registra que as escolas de Medicina têm aprendido CADA VEZ MAIS e com o mesmo nível de qualidade, a ministrar aulas com modelos alternativos como filmes e outros recursos tecnológicos.

Essa situação é intolerável, pois, da mesma forma que não há como ensinar a escrever ou a dirigir automóvel através de filmes e simuladores, também é tosco o curso de Medicina sem os experimentos em animais vivos. Os eventuais abusos que possam ocorrer durante essas aulas práticas são facilmente controlados pelos professores com o auxílio da maioria dos alunos, que possuem um alto poder de crítica. Espera-se que não passe pela cabeça dos antiviviseccionistas a substituição dos animais por seres humanos, mostrando-se aspectos de fisiologia e farmacologia em doentes, ou ensinando-se técnica operatória durante procedimentos cirúrgicos em nossos semelhantes. É interessante lembrar a existência de alguns docentes universitários que, para negligenciar suas obrigações com os alunos, fazem discursos tendenciosos sobre as aulas práticas.

"Espera-se que não passe pela cabeça dos antiviviseccionistas a substituição dos animais por seres humanos, mostrando-se aspectos de fisiologia e farmacologia em doentes, ou ensinando-se técnica operatória durante procedimentos cirúrgicos em nossos semelhantes." Gostaria de ter acesso ao argumento LÓGICO que governa essa afirmação.

Urge que as universidades de nosso país atuem com rigor junto aos órgãos legisladores e jurídicos para prevenir as distorções já existentes em outros países, prejudicando ainda mais o nosso ensino nas áreas biomédicas.


Traduzindo : Urge que o sistema não permita o uso de humanos como cobaias, uma vez que nunca se sabe se eu, ou um ente querido meu, pode ser submetido as essas práticas horrendas!

terça-feira, 20 de maio de 2008

Uso de Animais na Ciência - 3


"REPERCUSSÕES SOCIAIS
 
A ascensão do homem sobre os animais é uma situação que perdura há milênios. A utilização de animais na alimentação é uma necessidade natural não questionada sob ponto de vista social. Mesmo as agremiações de defesa dos animais mais rigorosas pouco se interessam pelos métodos de confinamento ou pelas técnicas utilizadas para o abate. Há, entretanto, indivíduos que não se alimentam de carne de mamíferos, como uma forma de protesto contra o extermínio da vida. Por outro lado, essas pessoas comem aves, peixes e todos os vegetais, além de utilizarem objetos de madeira e de couro, todos resultantes da morte de seres vivos. Portanto, não há como questionar que a sobrevivência do homem e o seu conforto dependem diretamente da destruição de animais ou vegetais."
 
"A utilização de animais na alimentação é uma necessidade natural não questionada sob o ponto de vista social". Não há nada de natural no uso de animais para alimentação humana. O que existe na verdade é a preservação de um hábito transmitido através da cultura de gerações. Do ponto de vista anatômico e fisiológico o ser humano assemelha-se mais a um herbívoro do que a um carnívoro. Tais semelhanças podem ser identificadas mediante a Anatomia Comparada de Animais.

Característica

Carnívoros

Herbívoros

Onívoros

Humanos

Músculos Faciais

Reduzidos de modo a permitir ampla abertura bucal

Bem desenvolvidos

Reduzidos

Bem desenvolvidos

Tipo de Mandíbula/Maxila

Ângulo não expandido

Ângulo expandido

Ângulo não expandido

Ângulo expandido

Posição de articulação da Mandíbula

No mesmo plano dos molares

Acima do plano dos molares

No mesmo plano dos molares

Acima do plano dos molares

Movimento da dentição

Rente; movimento lateral mínimo

Deslocado; movimento livre no plano

Rente; movimento lateral mínimo

Deslocado; movimento livre no plano

Principais músculos da mandíbula

Temporalis

Masseter e pterigóide

Temporalis

Masseter e pterigóide

Abertura bucal x Tamanho da cabeça

Grande

Pequena

Grande

Pequena

Dentes : Incisivos

Curtos e pontiagudos

Amplos, achatados e na forma de pás

Curtos e pontiagudos

Amplos, achatados e na forma de pás

Dentes : Caninos

Longos, afiados e curvos

Cegos e curtos ou longos (para defesa) ou nenhum

Longos, afiados e curvos

Curtos e de ponta arredondada

Dentes : Molares

Afiados, com forma de lâminas irregulares

Achatados com pontas complexas

Lâminas curtas e/ou achatadas

Achatadas com pontas nodulares

Mastigação

Nenhuma; Alimento engolido em largas porções

Mastigação intensa necessária

Engole alimento inteiro e/ou esmagamento

Mastigação intensa necessária

Saliva

Sem enzimas digestivas

Enzimas digestoras de carboidratos

Sem enzimas digestivas

Enzimas digestoras de carboidratos

Tipo de estômago

Simples

Simple ou múltiplas câmaras

Simples

Simples

Acidez estomacal

Menor que ou igual a pH 1 com comida no estômago

pH 4 a 5 com comida no estômago

Menor que ou igual a pH 1 com comida no estômago

pH 4 a 5 com comida no estômago

Capacidade estomacal

60% a 70% do volume total do trato digestivo

Menos que 30% do total do trato digestivo

60% a 70% do volume total do trato digestivo

21% a 27% do volume total do trato digestivo

Comprimento do intestino delgado

3 a 6 vezes o comprimento do corpo

10 a mais do que 12 vezes o comprimento do corpo

4 a 6 vezes o comprimento do corpo

10 a 11 vezes o comprimento do corpo

Cólon

Simples, curto e liso; não ocorre fermentação

Longo, complexo; pode ser compartimentalizado; fermentação pode ocorrer

Simples, curto e liso; não ocorre fermentação

Longo, compartimentalizado; fermentação pode ocorrer

Fígado

Pode detoxificar vitamina A

Não pode detoxificar vitamina A

Pode detoxificar vitamina A

Não pode detoxificar vitamina A

Rins

Urina muito concentrada

Urina moderadamente concentrada

Urina muito concentrada

Urina moderadamente concentrada

Unhas

Garras afiadas

Unhas achatadas ou cascos arredondados

Garras afiadas

Unhas achatadas

Termostase

Hiperventilação

Perspiração

Hiperventilação

Perspiração


O consumo de carne perdura e é estimulado meramente em função de um capricho gustativo. As pessoas consomem carne porque gostam de seu gosto, textura e aroma. Só ! Esta é a verdadeira razão ! Elas simplesmente não desejam alterar um hábito adquirido desde a infância. Alegações de que o consumo de carne é imprescindível, natural e saudável são inverdades alimentadas pela indústria alimentícia e ignorância popular. Observa-se por exemplo, a ampla divulgação de que o ser humano precisa de "proteína animal" na forma de carne ou derivados destes para encontrar-se gozando de boa saúde.Uma grande bobagem! Do contrário, não haveriam tantos vegetarianos/veganos/frugívoros praticantes há décadas, saudáveis e em excelente forma física. Infelizmente, ainda são muito poucos os praticantes dessa conduta.

Nesse sentido, cabe um esclarecimento nutricional sobre o vegetarianismo e a carne :
 
- A carne, seja ela "vermelha" ou "branca", é uma agremiação de fibras musculares, fibras elásticas e colágenas, peças ósseas, tecido adiposo, vasos sanguíneos e sangue. Analisando-a de um ponto de vista mais detalhado (ainda que simplista), a carne é constituída de proteínas, lipídeos, carboidratos, ácidos nucleicos, vitaminas, sais minerais, hormônios e água. Na verdade, todo ser vivo é composto das mesmas substâncias fundamentais. Elas são a base da composição celular. O que diferencia uma peça de carne branca de uma peça de carne vermelha é em essência a organização, qualidade e composição das substâncias acima citadas. Enquanto uma é mais rica em gordura ou fibras musculares lisas, a outra será mais rica em fibras musculares estriadas. O organismo não absorve as fibras musculares. Ele as decompõe.
 
É importante destacar que ao longo da alimentação estamos de fato interessados em utilizar os blocos básicos constituintes de cada uma dessas substâncias, isto é, através do processo de digestão e absorção intestinal, o organismo busca absorver aminoácidos (blocos básicos das proteínas), lipídeos (blocos básicos das gorduras, óleos, ceras), mono e dissacarídeos (blocos básicos dos açucares), nucleotídeos (blocos básicos do DNA e RNA), sais e vitaminas. Todos os alimentos são desestruturados e decompostos ao longo do aparelho digestório. Alimentos não oriundos de fontes animais apresentam exatamente os mesmos constituintes acima citados. Reforço aqui o fato de que enquanto um vegetal pode ser mais rico em fibras celulósicas e amido, uma peça de carne pode ser mais rica em fibras colágenas e proteínas. Vegetais entretanto são também capazes de apresentar alto teor proteico, a exemplo da carne.
 
Em suma, o que de fato utilizamos na alimentação são os elementos constituintes dessas macromoléculas. Se por um lado peças de carne oferecem um grande input de proteínas, elas oferecem como contra-partida também um grande input de gorduras trans e baixo teor de carboidratos. Por outro lado, se vegetais oferecem um grande input de carboidratos, óleos e sais minerais, oferecem como contra-partida um menor input de proteínas. Em nenhum momento entretanto, a alimentação vegetariana deixa de oferecer algo que a carne possa fornecer exclusivamente. O benefício da alimentação vegetariana/vegana repousa na conscientização de que pode-se alcançar uma alimentação balanceada, diversificada, saborosa e saudável (com teores nutricionais adequados de todas as classes de macromoléculas) sem submeter animais à indústria do sofrimento e carnivorismo. Se a sociedade justifica submeter seres vivos ao mau-trato e sofrimento simplesmente por "praticidade", alegando que obter os nutrientes necessários é assim mais fácil (o que não é), então percebe-se que há um desvio de valores tremendo em justificar o fim pelos meios. Algo que aprendemos desde pequenos a considerar como inadequado.
 
Ainda sobre a "proteína animal" :

- O ser humano utiliza-se basicamente de 20 aminoácidos para a construção de suas proteínas. Desses 20 aminoácidos, 9 são considerados os aminoácidos essenciais ou indispensáveis, isto é, são 9 os aminoácidos que precisam ser obtidos através da dieta (os demais 11 são construídos a partir destes 9). Entenda-se que estes 9 aminoácidos não são mais importantes que os outros 11. Por indispensáveis, entende-se que estes não podem ser sintetizados pelo organismo a partir de moléculas primordiais. Os 9 aminoácidos essenciais citados são a fenilalanina, valina, treonina, triptofano, isoleucina, metionina, histidina, leucina e lisina.
 
O consumo de proteína animal apoia-se na lenda de que tais aminoácidos essenciais não podem ser obtidos de outras fontes alimentícias (vegetais por exemplo). Isto é sabidamente um absurdo!!! Qualquer livro de bioquímica básica esclarece o contrário. Todo e qualquer organismo vivo apresenta proteínas. Todo e qualquer organismo vivo apresenta os 20 aminoácidos acima citados. Os teores individuais de cada aminoácido em cada organismo (ou tecido/orgão animal/vegetal consumido) apresentarão variações, como era de se esperar. Mas em nenhum momento deixarão de apresentar os 20 aminoácidos necessários.

Um fígado apresenta proteínas celulares distintas das proteínas celulares encontradas na soja. Portanto, a quantidade do aminoácido X encontrado no fígado talvez seja diferente da quantidade do aminoácido Y encontrado na soja. Mas de forma alguma, repito, não serão encontrados ambos aminoácidos X e Y tanto na soja como no fígado. O rendimento na extração dos aminoácidos que nos interessam, depende da combinação alimentar e modo de preparo destes. Fica evidente portanto que obter os teores de aminoácidos essenciais ou não-essenciais numa dieta, é questão de mero planejamento e protocolo culinário.
 
Aqui, entendam também que não é necessário um planejamento logístico complexo para obter os teores nutricionais indicados pelo profissional de saúde. Basta simplesmente ter uma alimentação variada em gênero e qualidade. Diz o ditado oriental que a boa refeição é a refeição colorida (alimentos vermelhos, verdes, amarelos, escuros, etc). Pigmentação diversificada é indicativo de variedade nutricional (vitaminas, carboidratos, lipídeos, etc). Não há um ser humano que se alimente diariamente e exclusivamente de carne. O primeiro que fizer isso por um tempo razoável, terá sérios e irreversíveis problemas renais. Não somos leões. A fisiologia e alimentação humana não se compara a de um felino, por exemplo. Mesmo o mais inveterado amante da carne, complementa sua alimentação com diversos outros alimentos. É amplamente sabido o impacto que o consumo de carne causa ao organismo humano, seja alterando níveis de colesterol, pressão sanguínea, capilaridade vascular, esforço renal, hepático e biliar, dificuldade digestiva, entre outros aspectos.

O autor reforça uma idéia errônea sobre a filosofia de alimentação vegetariana/vegana : "Há, entretanto, indivíduos que não se alimentam de carne de mamíferos, como uma forma de protesto contra o extermínio da vida. Por outro lado, essas pessoas comem aves, peixes e todos os vegetais, além de utilizarem objetos de madeira e de couro, todos resultantes da morte de seres vivos." A generalização é absurdamente equivocada ! São muitos os vegetarianos que não consomem qualquer tipo de carne (seja de peixes, aves, répteis, anfíbios) e são muitos os vegetarianos que não consomem produtos oriundos de animais (couros, ovos, leite, peles, fibras, etc). Mais do que pregar o extremismo de conduta, o que o vegetarianismo prega é a não-necessidade de consumo de carne ou derivados animais para qualquer fim.

Usemos um pouco de lógica cartesiana.
 
- Se é possível obter o mesmo teor nutricional de fontes alternativas, porque submeter organismos sencientes ao sofrimento desnecessário ? O argumento de que resulta caro e trabalhoso é sabidamente descabido.

- Porque causar sofrimento a organismos não-humanos, para atender um capricho cultural ? Era um costume antigo também ter escravos, humilhar o gênero feminino e sacrificar crianças em oferenda a deuses.

- Se a carne é tão especial e insubstituível na alimentação humana, porque não se consome carne humana ? Afinal, humanos e não-humanos sentem dor e medo, isso não se contesta mais em nenhuma esfera.

- A tecnologia desenvolvida na agricultura e processamento de alimentos torna necessária ainda a prática de abates e confino de animais para fins alimentícios ? Podemos lançar bases aeroespaciais e voar pelos céus, mas não podemos processar alimentos vegetais de modo a extrair destes os nutrientes necessarios ?
 
Cabe lembrar que nem todo praticante do vegetarianismo é incoerente com sua conduta de causar menor impacto ambiental. A simples existência humana causa impacto sobre o ambiente, isso é evidente e inevitável. Humanos são hoje mais de 6,6 bilhões e ocupam toda a superfície terrestre, seja em clima árido, gélido, tropical, temperado. O homem transita pelos céus, mares, subterrâneos, estratosfera e superfície terrestre. Nem as baratas são tão epidêmicas como o H.sapiens. O que busca-se com o vegetarianismo e veganismo é causar o menor impacto possível no ambiente diante dos notórios problemas que a população humana causa neste planeta. A re-educação alimentar é um bom começo.
 
"A sociedade também aceita e até estimula a utilização de animais como meio de transporte e em vários esportes ou diversões, entre os quais se destacam a caça e pesca, touradas e contendas entre animais. Esses "esportes", absolutamente covardes e que levam os animais a grandes sofrimentos antes de serem mortos, são "ignorados" pela maioria das sociedades protetoras de animais que, no máximo, protesta de forma tímida e fugaz. Quando a lei proíbe algum tipo de caça ou pesca, não visa evitar o sofrimento ou a morte do animal, mas previne o extermínio da espécie."
 
"Tanto isso é verdade, que a maioria das proibições são temporárias. Também não há qualquer manifestação contra as religiões que utilizam animais em suas cerimônias, por se tratar de um tema "sagrado" ou tabu intocável."
 
O autor de novo incorre em erro gravíssimo ao fazer generalizações. A sociedade aceita a crueldade com não-humanos (seja no entretenimento, culto religioso, ou afins) graças ao cultivo do auto-engano (a capacidade de ignorar fatos concretos e indesejados em prol de um benefício egoísta e caprichoso).
 
"Todavia, são cada vez mais freqüentes os movimentos dos antiviviseccionistas contra os pesquisadores que utilizam animais em seus trabalhos. É difícil acreditar que essas pessoas estejam imbuídas apenas de ideais nobres ao defenderem os animais, quando há outros benefícios oriundos de suas agremiações. O poder dos líderes de tais associações pode levá-los a uma rápida e segura ascensão econômica, e política, à custa de uma massa de indivíduos que pouco refletem sobre a sua luta contra o progresso científico. O mais curioso é que os pesquisadores dos países mais desenvolvidos são os que mais sofrem com esse problema."
 
Nota-se um evidente preconceito do autor em relação às motivações de grupos defensores dos animais e contrários ao seu uso em experimentação científica, por exemplo. Ainda que existam casos como os mencionados pelo autor, a generalização é imprópria. Seguiria a mesma linha de raciocínio dizer que são criminosos todos os indivíduos de cor parda ou negra, em função desse contingente da população apresentar uma maior participação em crimes convencionais.
 
"Observa-se, na legislação voltada à pesquisa em áreas biomédicas, o absurdo de ser mais fácil realizar estudos com voluntários humanos do que com animais. Nos códigos de direito dos animais, com poder de lei, há artigos que podem comprometer qualquer pesquisador, independente de suas boas intenções ou importância de seu trabalho para a humanidade. Mesmo dentro da classe médica, os trabalhos com humanos são muito mais valorizados e é fácil perceber a segregação de médicos, enquanto pesquisadores em nível experimental, pelos seus colegas que lidam com atividade clínica.
 
O desestímulo à pesquisa é mundial, pois, excluindo os empregados dos grandes laboratórios farmacêuticos, a maioria dos médicos-pesquisadores é mal remunerada, comparando-se com os honorários recebidos por atividade clínica. Os irrisórios recursos investidos na pesquisa em nosso país e que obrigam ao financiamento das investigações pelo próprio pesquisador são um outro capítulo, mas que deve ser lembrado, para destacar que o pesquisador é um verdadeiro idealista, cujo trabalho é o que mais contribui para o progresso da Medicina.
 
É evidente, que em todos os campos de atividade humana, existem pessoas com desvios de caráter. Há também, entre os pesquisadores, alguns despreparados que exercem um trabalho imoral e que atende apenas a instintos cruéis. Tais indivíduos não devem ser considerados pesquisadores e constituem uma extrema minoria, que não pode, de forma alguma, ser utilizada para manchar toda uma classe de profissionais íntegros e indispensáveis à sociedade.
 
Não há dúvida de que se deve ter respeito pela vida e pelo sofrimento dos animais, reduzindo-lhes a dor, sempre que for possível, mas não se pode esquecer que o objetivo maior da pesquisa biomédica é aliviar o homem de seus males. Modelos alternativos, como os experimentos com órgão isolados, seres inferiores e os ligados à tecnologia são muito limitados e raramente substituem os animais apropriados a cada trabalho científico.
 
Para fortalecer a sua imagem diante dos colegas e da sociedade, o pesquisador deve submeter-se aos códigos legais. Lamentavelmente, a maioria dos legisladores não têm qualquer envolvimento com pesquisa científica e esse despreparo resulta na formulação de leis dificilmente obedecidas. Para evitar tais distorções, têm sido criadas comissões de ética que reúnem pessoas de diferentes ramos profissionais e com pontos de vista variados, para legislarem com menos arbítrio. Todavia, apesar de sempre convidados, os pesquisadores dispõem de pouco tempo para participar dos longos debates, que ordinariamente ocorrem em tais comissões. Por outro lado, os antiviviseccionistas são os que mais têm tempo para defender os seus interesses e se posicionarem, de princípio, contra a atividade científica.
 
O primeiro país a criar comissões de ética para pesquisa com animais foi a Suécia, em 1979. Os Estados Unidos adotaram essa prática em 1984, enquanto o Brasil somente passou a constituir tais grupos nesta década. É importante que dessas comissões façam parte pessoas capazes de avaliar a natureza e as conseqüências que determinado trabalho pode trazer. Os membros das comissões de ética e os legisladores têm a difícil tarefa de conciliar os aspectos éticos com os interesses científicos, econômicos, comerciais e legais. Observa-se, portanto, que existe ainda um longo caminho a percorrer antes de se atingir uma perfeita harmonia entre os pesquisadores e a sociedade."

Sabe-se hoje que o ser humano (Homo sapiens) apresenta 98% de similaridade genômica com o chimpanzé (http://en.wikipedia.org/wiki/Chimpanzee_genome_project). Uma análise mais detalhada desse tema pode ser obtida no artigo científico de 2005 de Ajit Varki e Tacha K. Altheide da Univ. da Califórnia (San Diego - USA) publicada na revista Genome Research vol 15, páginas 1746-1758 (www.genome.org).
 
Apesar dessa "pequena" diferença genômica, nos consideramos "tremendamente "diferentes de um macaco comum. De fato, reconheço que sejamos bem diferentes em muitos aspectos a um primata, a um cão, suíno, rato ou outro animal.

Mas afinal, em que aspectos exatamente somos diferentes destes, e em que aspectos somos iguais ?

Me parece que nossa espécie escolhe descaradamente semelhanças e diferenças segundo sua própria conveniência. Somos semelhantes na hora de usá-los como modelos experimentais, mas somos únicos e singulares na hora de usufruir de direitos à dignidade e ao respeito.

São paradoxos morais e científicos constrangedores para um ser auto-intitulado racional.

Se por um lado consideramos um desvio de dois graus centígrados na temperatura corpórea infantil algo sério, porque ignoramos que os animais usados como modelos experimentais já apresentam naturalmente uma diferença de dois graus centígrados em relação à nossa temperatura, diferença essa que seguramente reflete-se no comportamento molecular de suas células e constituintes ? Aliás, com que petulância (diante do pouco que conhecemos sobre o mecanismo molecular da vida), podemos afirmar que essa diferença (e tantas outras) não interferem na mecânica atomística inter e intracelular de um orgão/tecido/ser vivo ? Como extrapolar com segurança o efeito causado por uma composição farmacológica usada em modelos animais os quais sabidamente diferem fisiologicamente, genomicamente, anatomicamente, psicologicamente da espécie humana ? Não resulta uma perda preciosa de tempo e recursos experimentar drogas em animais quando o único modelo experimental que se presta a conclusões precisas do ponto de vista científico seja o próprio Homo sapiens ? Gritamos aos quatro ventos que animais não apresentam linguagem desenvolvida e os usamos para avaliar respostas laboratoriais através de inferências totalmente subjetivas. Não faz mais sentido usarmos organismos semelhantes biologicamente que ainda por cima possam se comunicar conosco de forma precisa, indicando os verdadeiros rumos de uma pesquisa séria ?

A contestação clássica sustenta que usar humanos em experimentação científica é contrário à Ética e Imoral. O argumento faria sentido se o próprio homem não contrariasse a própria ética e moralidade diariamente (seja em escala individual e coletiva) sujeitando milhões de pessoas à fome e privação de recursos básicos devido a utilização de um sistema econômico desigual e explorador. A Ética e Moralidade não é contestada quando a sociedade julga e condena milhares/milhões de pessoas por crimes que estes cometem contra o semelhante, enquanto pais de família ganham salários miseráveis para alimentar filhos que são criados segundo os valores mais conservadores. Ignora-se a Ética e Moral quando um condenado é mantido inútil e irrecuperável em uma penitenciária (ao invés de servir à Ciência e à Sociedade de modo recíproco), quando bilhões de animais são submetidos a elucubrações científicas das mais variadas apoiando-se em um sistema de extrapolações lógicas das mais furadas. O homem é muito ético e moral quando famílias ficam sem água para satisfazer interesses de empresários megalômanos apoiados pelo governo e lobbys empresariais. É ético e moral que uma minoria populacional detenha grande parte da riqueza moderna enquanto bilhões vivem em estado de sub-existência. Não contesta-se qualquer violação ética e moral em ferir e usar animais como objetos, invariavelmente condenando-lhes a morte (seja pela ciência, seja pela alimentação), enquanto homens que violaram todas as regras básicas da sociedade, refastelam-se por toda uma existência às expensas dos impostos cobrados do cidadão que trabalha arduamente de manhã à noite.

Não acho que o argumento de respeito a ética e moral deva ser exposto por qualquer um enquanto a mesma pessoa que o levanta, não faça uma auto-análise sincera das suas práticas e valores. Não se pode usar lógica para A e não para B, quando A = B.

São pontos simples na verdade, absurdamente óbvios, mas cosntantemente ignorados por pura conveniência humana :

- Se notamos claramente a diferença entre macacos e homens, como podemos justificar a experimentação com animais tais como camundongos, coelhos e cães ?

- Se notamos semelhanças entre macacos e homens, porque uns tem direitos e outros não ?

- Se assumimos que ambos tem sistemas biológicos parecidos (ou orgãos equivalentes), como podemos então achar que uns sentem dor e outro não ?

O uso de modelos animais na ciência apoia-se em um princípio errôneo: animais não são modelos biológicos para o Homo sapiens. Por modelo entendemos algo que representa idealmente um dado referencial. Animais apresentam peculiaridades biológicas únicas. Experimentação científica em animais é perda de (1) tempo, (2) dinheiro, (3) vidas humanas que esperam décadas para a pesquisa e desenvolvimento de fármacos que poderiam ser lançados no mercado em questão de poucos anos.

Desse raciocínio, a pergunta que emerge é simples : quem seriam as pessoas usadas na experimentação científica segundo este sistema ? Eu ? Minha mãe ? Meus amigos ?

Em primeiro lugar, devemos como sociedade refletir : Enquanto sociedade, elaboramos um código de condutas grupais que devem ser seguidas. Quem não as segue, está sujeita à Justiça e julgamento. Claramente então, o homem define o que é certo e errado para o grupo. Pergunta-se : quem nesta sociedade nós, enquanto grupo, consideramos como sendo elementos que violam princípios morais e éticos básicos e são obrigados a viver afastados da convivência grupal ?

Se não temos remorso em afastá-los da vida em grupo, porque teríamos em submetê-los a experimentação científica em prol da comunidade e da ciência ? Será porque a experimentação é um procedimento humilhante, doloroso e incerto de resultados positivos ?

Interessante...

Pois justamente esses pontos deveriam ser considerados ao usarmos os mesmos procedimentos em criaturas que sentem dor, medo, têm consciência de existência e buscam o mesmo que qualquer ser humano : propagar seus genes, sentir prazer e esquivar-se do desconforto e da dor.