PONDERAÇÕES SOBRE O ENSINO
Além de ser um elemento fundamental e indispensável ao progresso da Medicina, a vivissecção é também de extrema utilidade na educação médica. O ensino nos cursos de Biologia, Farmácia e Veterinária também são inconcebíveis sem as aulas práticas em animais.
"Inconcebível". Por definição é aquilo que não é possível conceber, imaginar e/ou construir. Exploremos esse assunto :
Ao estudar o corpo humano frequentamos aulas de anatomia, exploramos literatura como Atlas Anatômicos e Histológicos e manipulamos cadavéres inteiros (ou seus fragmentos) conservados em formol (tais peças pertencem a indigentes ou cidadãos sem identificação - daí a regular cerimônia ao Cadáver Desconhecido; algumas poucas vezes alguém (ou sua família) doa o próprio corpo para fins de estudo).
Essencialmente entretanto, boa parte do aprendizado de um médico nos primeiros 3 anos de seu curso, baseia-se no estudo do organismo humano na teoria e na intensa prática de manipulação cadavérica.
Passados meses de estudo das peças sem vida, alunos de medicina ou afins migram para estudos de peças vivas (pertencentes a cães e porcos em sua maioria). A idéia reside na manipulação invasiva de animais não-humanos que apresentem disposição e/ou anatomia de orgãos e tecidos "parecida" à encontrada em humanos. Os animais "modelos" são abertos sobre mesas cirúrgicas (dopados e/ou anestesiados – dois procedimentos bem distintos) e os alunos são orientados a executar uma série de procedimentos clínicos ou cirúrgicos no mesmo. O ensino visa transmitir ao aluno protocolos e técnicas de manipulação de orgãos vivos e observar dinamicamente os efeitos positivos e negativos que determinados fármacos ou procedimentos causam aos mesmos.
Por exemplo, administrando-se uma solução de sal potássico nos sistema circulatório do animal "modelo", o aluno pode constatar/sentir os efeitos fibrilatórios sobre a musculatura cardíaca e como o organismo responde à essa substância. O mesmo procedimento visa também mostrar ao aluno, como a administração de determinados compostos farmacêuticos podem reverter o quadro fibrilatório e letal ao orgão em questão. Um outro procedimento pode consistir em uma modificação vascular ou tecidual através do corte e sutura das partes envolvidas. Terminada a aula, o animal é sacrificado.
Perceba entretanto que somente após muitos meses, muito estudo teórico, e muitas vivisecções animais, o aluno de medicina enfrenta seu verdadeiro alvo: um ser humano vivo e real. Esse momento é sempre acompanhado de "profissionais" que já adquiriram experiência prática na manipulação de humanos e onde o mesmo, a princípio, responde pelo erro e imperícia clínica e cirúrgica de seu pupilo (caso execute alguma).
Faço questão de frisar que o aluno (ou futuro médico) enfrentará o verdadeiro alvo dele (um outro ser humano) numa situação artificial. Ainda que sua "vítima" seja um paciente real e com problemas reais, o aluno irá encontrar-se assessorado por um outro profissional que deseja a todo custo não permitir que um procedimento equivocado seja realizado (o futuro médico não enfrentará isso na sua prática profissional indepedente). Caso um procedimento equivocado seja concretizado, três situações podem ocorrer no mundo real: (1) o aluno é responsabilizado, (2) o profissional-tutor é responsabilizado, ou (3) o erro não é divulgado. Como diz o ditado "O erro médico a terra cobre".Para o paciente que recebe a prescrição clínica ou intervenção cirúrgica, todos os profissionais à sua volta são teoricamente pessoas muito experientes na manipulação de partes vivas humanas. Mas perceba que o aluno treinou intensivamente em viviseccções de cães e porcos ! Em algum momento ele irá realizar o seu procedimento sobre um humano pela primeira vez. E essa primeira vez será tensa, perigosa e desconhecida, simplesmente por tratar-se de um ser humano real.
(Atente para o detalhe curioso de que o paciente, na maior parte das vezes, não faz a menor idéia de quem irá manipular o bisturi ou administrar o fármaco em seu organismo. Alunos de medicina precisam aprender. Se os pacientes fossem questionados sobre sua aceitação em servir de objeto de manipulação didática para aprendizes de medicina, é certo que o paciente sentiria-se inseguro e relutante. Afinal, pacientes não gostariam de serem tratados como cobaias de acadêmicos de medicina. Mas o são o tempo todo).
Muito se argumenta de que a segurança prática que alunos adquirem na manipulação humana jamais seria alcançada se o mesmo aluno não tivesse feito diversas vivisecções (ou experimentaçãoes ) animais e pudesse ver o que pode e o que não pode dar errado num dado procedimento. Resumindo : somente através dos erros e acertos praticados na vivisecção (ou experimentação) de animais não-humanos, o aluno executará com precisão um dado procedimento em humanos.
Em teoria...
Lidemos agora com alguns fatos.
Um organismo vivo é algo muito complexo.
Qualquer profissional de saúde ou estudioso das ciências naturais sabe disso.
Organismos vivos são uma intrincada associação de moléculas, células, tecidos, orgãos, sistemas, sujeitos a uma dinâmica multi-fatorial do ambiente sem precedentes.
Ainda que saibamos muito sobre organismos vivos, sabemos com certeza que sabemos muito pouco sobre o assunto.
Quando sabemos pouco sobre algo, nos dedicamos a experimentação controlada do nosso objeto de estudo. Aprendemos que o melhor modelo para praticar experimentação sobre aquilo que nos interessa, é o objeto de estudo propriamente dito (se desejo aprender a andar de moto, melhor se pratico numa moto - se desejo aprender a subir uma montanha X, melhor se pratico na montanha X).
Algumas vezes entretanto, por alguma razão, o objeto de estudo pode encontrar-se indisponível. Nessa situação, usamos modelos para estimar o comportamento/funcionamento de nosso experimento com aquilo que nos interessa. Quanto mais parecido o modelo, mais precisa será a experimentação.
A relação de semelhança entre modelo e objeto de estudo é o que distinguirá a estimativa da previsão.
E é isso o que acontece no uso de animais para a compreensão de mecanismos biológicos humanos ou para a prática de procedimentos manuais. O animal "modelo" não é modelo para o sistema humano. Humanos são modelos para o sistema humano. Defende-se que porcos tem orgãos do tamanho dos encontrados em humanos e cães são boas ferramentas para manipulação cirúrgica. Se a Ética contesta o uso de humanos como objeto de estudo direto, devemos nos perguntar porque o mesmo princípio não é aplicado aos animais não-humanos. Os argumentos sempre levantados diante dessa pergunta são :
(1) animais não-humanos não sentem dor/sofrimento;
(2) animais não-humanos não têm consciência de si mesmos como indivíduos;
(3) a vida de uma animal não-humano não equivale a de um animal humano;
(4) o homem é o único organismo que pratica Ciência;
(5) o homem pode fazê-lo e portanto o faz;
(6) animais não-humanos são inferiores (intelectualmente e moralmente) aos humanos;
Qualquer análise sincera desses tópicos esclarece a tremenda e brutal parcialidade do uso de animais não-humanos em experimentação científica e ensino biológico (uma vez que os argumentos acima são indefensáveis).
Não resulta inconcebível transmitir conhecimento evitando submeter animais a dor/sofrimento/estresse. A tecnologia humana é bastante desenvolvida para permitir que alunos da área de saúde compreendam muito bem a matéria que estão estudando sem submeter "modelos" inadequados à manipulação inescrupulosa e anti-ética.
- Não necessitamos submeter pessoas a explosões para ensiná-las sobre o poder explosivo de uma substância.
- Não precisamos conduzir alcoolizados para entender as consequências da embriaguez na condução de veículos.
- Não precisamos submeter crianças ao assédio moral para deduzir que isso possa transtorná-las no futuro.
O desenvolvimento de simuladores artificiais é tão impreciso (ou menos) quanto o uso de "modelos" animais inadequados. Entretanto o primeiro não envolve a violação de princípios básicos de dignidade a um ser vivo. Um aluno de medicina que consiga apenas aprender a suturar um tecido, ou extrair um orgão, ou cortar uma perna usando um ser vivo como referência deve se perguntar se entende de fato o material no qual fará procedimento igual (ou seja, um ser humano). Resulta ainda mais constrangedor defender o contrário diante do fato de que nenhuma pessoa deseja submeter-se ao aprendizado do aluno nopapel de cobaia. Tal negação demonstra claramente o caráter agressivo, humilhante e indigno de ser cobaia de algo. Se ser cobaia é indigno para um homem, ainda continua o sendo para um organismo que sequer foi consultado a assumir tal posição.
Quando alguém dedica-se ao aprendizado de pilotar uma aeronave, o interessado entende que precisa dominar a teoria e o que se conhece dela. Sabe também que precisa conhecer a estrutura mecânica (anatômica) da aeronave que pretende pilotar. Sabe também que antes de lançar-se ao vôo efetivo, o uso de simuladores artificiais é aconselhado. Somente após horas de simulação de vôo, esse alguém se prestará a alçar vôo real acompanhado ou não de um tutor, transportando ou não uma tripulação e passageiros.
O futuro piloto não se prestará a pilotar uma aeronave "parecida" a que ele de fato deseja pilotar, por saber que isso não lhe confere expertise nem segurança na aeronave que ele de fato deseja pilotar!!!
Para tanto o futuro piloto preferirá escolher um simulador virtual a ter que se submeter a arriscar a própria vida em uma nave parecida ou na nave que deseja pilotar.
Ambas as situações (futuro médico e futuro piloto) necessitarão de aprendizado prévio e muita prática. Isso não se contesta. Ambos aprendizes serão orientados por pessoas mais experientes. Ambos os pupilos em algum momento sujeitarão terceiros (ignorantes em relação a serem feitos de cobaias) à teoria e pratica estudada. Qual é essencialmente então a diferença moral entre o aprendizado de medicina e o aprendizado de vôo ?
Enquanto o futuro piloto não teve a necessidade de dissecar aves diversas para entender seu mecanismo de vôo, o futuro médico/cirurgião submeteu organismos "modelos" à vivisecção para melhor entender o seu futuro instrumento de trabalho. Sendo que os "modelos" animais NÃO são seu instrumento de trabalho, isto é, não são seres humanos !
Resumindo : por mais que cães e porcos tenham sido usados em aulas práticas coletivas, o aluno jamais estará seguro de que pode desempenhar um determinado procedimento invasivo sem erro. A prática definitiva será obtida em seres humanos. Isto quer dizer que, para que um aluno possa desempenhar com frieza e segurança um dado procedimento em humanos, OU ele submeterá pacientes às suas primeiras experiências OU terá aprendido antes com modelos animais inadequados (cães, porcos, macacos, etc).
Até o final da década de oitenta, as disciplinas de Fisiologia, Farmacologia e Técnica Operatória eram amplamente ilustradas com experimentos em diferentes animais. Tais aulas não somente tornavam reais as explicações teóricas, muitas vezes difíceis de serem compreendidas, mas também ofereciam oportunidade de adestramento manual e despertavam nos alunos interesse pela pesquisa.
Interesse pela pesquisa não exige submeter os interessados a tortura de animais não-humanos. O interesse vêm da curiosidade regida pela ética.
Nos Estados Unidos, foram entrevistados médicos formados nos últimos 20 anos. Desses, 90 % tiveram experimentos em animais durante o curso de graduação, sendo que 91 % deles atribuíram grande valor a tais aulas e 93 % insistiram na necessidade de sua continuação no curso médico. Em relação à disciplina de Ética, ainda nos Estados Unidos, 93 % dos cursos de Medicina a oferecem a seus alunos. A sua duração varia entre dois e três meses, com uma a duas aulas semanais. Desses cursos, 71 % abordam a ética aplicada à pesquisa, com 74 % dos alunos assistindo a tais aulas. Não há dúvida quanto ao valor da disciplina de Ética para despertar nos alunos a consciência sobre o sofrimento do animal, apesar de sua necessidade para o ensino e pesquisa. Outro aspecto a ser abordado por essa disciplina é a importância do animal no contexto social, dando ênfase também aos aspectos legais.
"Naturalmente", o homem ciente do que é ser cobaia e a que elas são submetidas, acha primordial que animais sejam ainda utilizados na experimentação científica ou ensino biológico. O raciocínio é simples : "Contestar o uso de animais nesses procedimentos é abrir espaço para o uso de humanos como cobaias. E eu não gostaria de ser uma cobaia!"
Embora haja quase uma unanimidade entre os médicos sobre a importância dos cursos de Medicina com aulas práticas em animais, a forte influência da sociedade reduziu essas aulas consideravelmente. Assim, nos Estados Unidos, atualmente, 53% dos cursos de Fisiologia, 25 % dos de Farmacologia e 19 % dos de Cirurgia ainda "ousam" ensinar em animais vivos. Em contraposição, as escolas de Medicina têm aprendido cada vez mais a ministrar aulas com modelos alternativos, como filmes e outros recursos tecnológicos.
O próprio autor registra que as escolas de Medicina têm aprendido CADA VEZ MAIS e com o mesmo nível de qualidade, a ministrar aulas com modelos alternativos como filmes e outros recursos tecnológicos.
Essa situação é intolerável, pois, da mesma forma que não há como ensinar a escrever ou a dirigir automóvel através de filmes e simuladores, também é tosco o curso de Medicina sem os experimentos em animais vivos. Os eventuais abusos que possam ocorrer durante essas aulas práticas são facilmente controlados pelos professores com o auxílio da maioria dos alunos, que possuem um alto poder de crítica. Espera-se que não passe pela cabeça dos antiviviseccionistas a substituição dos animais por seres humanos, mostrando-se aspectos de fisiologia e farmacologia em doentes, ou ensinando-se técnica operatória durante procedimentos cirúrgicos em nossos semelhantes. É interessante lembrar a existência de alguns docentes universitários que, para negligenciar suas obrigações com os alunos, fazem discursos tendenciosos sobre as aulas práticas.
"Espera-se que não passe pela cabeça dos antiviviseccionistas a substituição dos animais por seres humanos, mostrando-se aspectos de fisiologia e farmacologia em doentes, ou ensinando-se técnica operatória durante procedimentos cirúrgicos em nossos semelhantes." Gostaria de ter acesso ao argumento LÓGICO que governa essa afirmação.Urge que as universidades de nosso país atuem com rigor junto aos órgãos legisladores e jurídicos para prevenir as distorções já existentes em outros países, prejudicando ainda mais o nosso ensino nas áreas biomédicas.
Traduzindo : Urge que o sistema não permita o uso de humanos como cobaias, uma vez que nunca se sabe se eu, ou um ente querido meu, pode ser submetido as essas práticas horrendas!
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