sexta-feira, 9 de maio de 2008

Animais como objetos


Consideremos um fato do qual ninguém em sã consciência pode negar :

Animais em nossa sociedade e época são tratados como objetos.

Como espécie, infelizmente tratamos animais do mesmo modo que tratamos uma cadeira, um lápis ou um copo.

Estes animais-objetos são utilizados por nós há seculos para fins de alimentação, cosmética, moda, trabalho forçado, experimentação científica, entretenimento, culto religioso, entre outros.

Seja um bovino (Ruminantes), um suíno (Porcos), um equíno (Cavalos), um caprino (Cabras), um murino (Camundongos), um felino (Gatos), um canino (Cães), aves, répteis, anfíbios, peixes, e tantos mais, todos estes são procriados, manipulados e/ou executados com o objetivo de beneficiar especificamente apenas um outro animal : o Homo sapiens.

Consideremos agora um fato também já amplamente conhecido pela ciência :

Animais são dotados de um complexo sistema nervoso e portanto estão claramente sujeitos a sensações de conforto/desconforto físico e emocional, prazer e dor, vontades e repulsas.

Ainda assim, alguns poderão argumentar que animais não são capazes de sentir dor ou medo, justificando portanto o porque de podermos trata-los como objetos. Se não sentem dor, não haveria conflito ético ou moral algum nisso. Ninguém acha que cometeu um delito ao quebrar um copo.

No entanto, a argumentação acima soa absurda uma vez que o estudo dos seres vivos, na forma de todos os exemplares que conhecemos (e são milhares deles), mostra exaustivamente que a dor e o medo são fundamentais à sobrevivência do indivíduo e a espécie animal ao qual este indivíduo pertence.

A dor e o medo são essencialmente intepretações de sinais nervosos desencadeados por um estímulo agressivo (físico ou emocional) que informam ao sujeito passivo dessa ação que ele deve evitar, escapar ou atenuar o estímulo recebido a fim de garantir ou prolongar sua sobrevivência ou integridade.

Sem o mecanismo da dor, organismos teriam seus corpos mutilados em diversas situações, o que claro, comprometeria sua integridade física e emocional.

Sem o mecanismo do medo, organismos ultrapassariam a barreira da segurança, mais uma vez comprometendo sua integridade física e emocional.

Considerando portanto que todos os animais obedecem à leis biológicas tão básicas como crescer e reproduzir-se, torna-se difícil defender a idéia de que animais não-humanos não estejam sujeitos aos fenômenos da dor e medo, enquanto humanos (os quais participam em grande parte da mesma história evolutiva) o estejam.

Afinal, seria apenas essa distinção entre humanos e não-humanos que embasaria a lógica de podermos tratar animais como objetos e humanos como seres privilegiados de direitos.

A biologia nos auxilia a concluir então de maneira fácil a existência de dor e medo em animais (humanos e não-humanos). Basta que nos recordemos que quando organismos biológicos tem sua integridade física e emocional comprometida, os mesmos provavelmente não poderão praticar a mais antiga e importante prática da vida : propagar seus genes através de sua prole, ou seja, "perpetuar" sua espécie.

Mas ainda assim, existe uma grande parcela de pessoas sustentando que animais não sentem dor ou medo, o que justificaria tratá-los como objetos.

Devemos nos perguntar o por que dessa teimosia ?

Inicialmente,façamos a seguinte pergunta : Como nós, humanos, identificamos o fenômeno da dor e medo alheio ?

O método científico nos ensina que o ato de inferir algo é baseado (entre vários aspectos) na observação repetida de um evento e na comparação deste com dados cujo significado seja conhecido.

Atenção aqui às duas palavras-chaves da expressão: "Comparação" e "Inferência".

Por exemplo, assumimos que um ser humano adulto sente dor, medo ou algum incômodo similar em função de suas manifestações vocais (choro), faciais (caretas), corpóreas (convulsões) e fisiológicas (pressão vascular aumentada, liberação hormonal, débito cardíaco alterado, etc) diante do estímulo supostamente agressivo.

Portanto, ao observar manifestações vocais, faciais, corpóreas e fisiológicas similares (em um recém-nascido por exemplo) inferimos que o mesmo fenômeno esteja manifestando-se.

É evidente que um indivíduo adulto que experimente dor e/ou medo pode verbalizar essas sensações através de uma linguagem que nós possamos decodificar, o que claro, nos ajuda sobremaneira a eliminar a dúvida de que o indivíduo possa "estar ou não estar sentindo dor/medo". Essa é a base da atenção médica.

Curiosamente entretanto, um recém-nascido humano não tem domínio de qualquer linguagem verbal como a praticada por um adulto mediano. Ainda assim nós nos sentimos plenamente seguros de inferir por comparação que ele possa estar sentindo dor e/ou medo, mediante a observação de manifestações visuais/sonoras de resposta ao estímulo agressivo similares às encontradas em um adulto.

A bem da verdade, um recém-nascido humano é muito mais limitado em sua linguagem que um cachorro, cavalo ou camundongo.

Assim o paradoxo instala-se. Muitos se negam a aceitar que um animal não-humano (diante de estímulos agressivos da mesma natureza) possa estar sentindo medo e/ou dor ainda que estes indivíduos estejam gritando, fugindo ou manifestando notoriamente reações de pânico ou horror similares aos exemplos acima.

Cabe repetir então a pergunta inicialmente formulada :

Por que uma grande parcela de pessoas ainda sustenta que animais não são capazes de sentir dor ou medo e logo podem ser tratados como um objeto qualquer ?

A resposta a esse julgamento deliberadamente parcial é que humanos simplesmente instituem (sem qualquer fundamentação lógica e ética) que animais não-humanos estejam livremente sujeitos a um tratamento opressor e diferenciado (quando comparado ao tratamento aplicado a indivíduos da espécie Homo sapiens) com fins explícitos de atender a conveniência e capricho do Homem.

Somente através dessa determinação sumária, o homem moderno pode sustentar os contínuos e absurdos abusos que comete contra organismos não-humanos. Em bom português, o Homem diz : "Eu não dou a mínima para os animais se tiver que me beneficiar de seu uso!"

Ao negar direitos básicos de bem-estar a animais não-humanos e conceder plenos direitos de bem-estar a animais humanos, mesmo sabendo que os primeiros também são passíveis dos desconfortos e martírios terríveis vivenciados por esses últimos, criamos um sistema hipócrita onde pode-se toda sorte de manipulação sádica a organismos diferentes do Homo sapiens. Com o explícito argumento de atender nossos caprichos.

Alerto aqui para o fato de que a História da Humanidade já registrou diversos eventos reprodutores dessa mesma filosofia. Hoje, o próprio Homem envergonha-se de recordá-los. Para fins de ilustração destaco apenas que consideravam-se negros, mulheres, judeus, indígenas, deficientes físicos, entre outros, como não detentores de características essenciais encontradas no Homem branco (o exemplar da perfeição biológica). A todos estes organismos segregados, uma vez que eram considerados como sendo "não-humanos", a privação de seus direitos mais básicos e dignos era defendida e praticada.

Assim, soa constrangedor ver que as pessoas no seu dia-a-dia esforçam-se deliberadamente (por pura conveniência e capricho) em ignorar a repetição de atitudes históricas que hoje as envergonham quando recordadas.

Ao privar animais não-humanos de direitos básicos, como a manutenção de sua integridade física e emocional, estamos jogando no lixo toda a memória acumulada ao longo de séculos de eventos que nos constrangem pela total falta de embasamento lógico e ético.

Resulta estúpido que possamos tratar animais não-humanos como objetos descartáveis e desprovidos de sensações e ao mesmo tempo proporcionemos aos animais humanos toda sorte de benefícios e extravagâncias que possam ser imaginadas.

O bom senso deveria invadir a consciência de cada pessoa e fazê-la refletir que causar sofrimento de qualquer ordem a animais não-humanos equivale a suportar a lógica de que os mesmos sofrimentos possam ser aplicados a humanos de qualquer categoria.

Infelizmente, o homem teima em apoiar-se numa lógica distorcida onde uma coisa é uma coisa, e outra coisa é outra coisa...

Sendo que ambas as "coisas" são completamente idênticas.

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