terça-feira, 20 de maio de 2008

Uso de Animais na Ciência - 3


"REPERCUSSÕES SOCIAIS
 
A ascensão do homem sobre os animais é uma situação que perdura há milênios. A utilização de animais na alimentação é uma necessidade natural não questionada sob ponto de vista social. Mesmo as agremiações de defesa dos animais mais rigorosas pouco se interessam pelos métodos de confinamento ou pelas técnicas utilizadas para o abate. Há, entretanto, indivíduos que não se alimentam de carne de mamíferos, como uma forma de protesto contra o extermínio da vida. Por outro lado, essas pessoas comem aves, peixes e todos os vegetais, além de utilizarem objetos de madeira e de couro, todos resultantes da morte de seres vivos. Portanto, não há como questionar que a sobrevivência do homem e o seu conforto dependem diretamente da destruição de animais ou vegetais."
 
"A utilização de animais na alimentação é uma necessidade natural não questionada sob o ponto de vista social". Não há nada de natural no uso de animais para alimentação humana. O que existe na verdade é a preservação de um hábito transmitido através da cultura de gerações. Do ponto de vista anatômico e fisiológico o ser humano assemelha-se mais a um herbívoro do que a um carnívoro. Tais semelhanças podem ser identificadas mediante a Anatomia Comparada de Animais.

Característica

Carnívoros

Herbívoros

Onívoros

Humanos

Músculos Faciais

Reduzidos de modo a permitir ampla abertura bucal

Bem desenvolvidos

Reduzidos

Bem desenvolvidos

Tipo de Mandíbula/Maxila

Ângulo não expandido

Ângulo expandido

Ângulo não expandido

Ângulo expandido

Posição de articulação da Mandíbula

No mesmo plano dos molares

Acima do plano dos molares

No mesmo plano dos molares

Acima do plano dos molares

Movimento da dentição

Rente; movimento lateral mínimo

Deslocado; movimento livre no plano

Rente; movimento lateral mínimo

Deslocado; movimento livre no plano

Principais músculos da mandíbula

Temporalis

Masseter e pterigóide

Temporalis

Masseter e pterigóide

Abertura bucal x Tamanho da cabeça

Grande

Pequena

Grande

Pequena

Dentes : Incisivos

Curtos e pontiagudos

Amplos, achatados e na forma de pás

Curtos e pontiagudos

Amplos, achatados e na forma de pás

Dentes : Caninos

Longos, afiados e curvos

Cegos e curtos ou longos (para defesa) ou nenhum

Longos, afiados e curvos

Curtos e de ponta arredondada

Dentes : Molares

Afiados, com forma de lâminas irregulares

Achatados com pontas complexas

Lâminas curtas e/ou achatadas

Achatadas com pontas nodulares

Mastigação

Nenhuma; Alimento engolido em largas porções

Mastigação intensa necessária

Engole alimento inteiro e/ou esmagamento

Mastigação intensa necessária

Saliva

Sem enzimas digestivas

Enzimas digestoras de carboidratos

Sem enzimas digestivas

Enzimas digestoras de carboidratos

Tipo de estômago

Simples

Simple ou múltiplas câmaras

Simples

Simples

Acidez estomacal

Menor que ou igual a pH 1 com comida no estômago

pH 4 a 5 com comida no estômago

Menor que ou igual a pH 1 com comida no estômago

pH 4 a 5 com comida no estômago

Capacidade estomacal

60% a 70% do volume total do trato digestivo

Menos que 30% do total do trato digestivo

60% a 70% do volume total do trato digestivo

21% a 27% do volume total do trato digestivo

Comprimento do intestino delgado

3 a 6 vezes o comprimento do corpo

10 a mais do que 12 vezes o comprimento do corpo

4 a 6 vezes o comprimento do corpo

10 a 11 vezes o comprimento do corpo

Cólon

Simples, curto e liso; não ocorre fermentação

Longo, complexo; pode ser compartimentalizado; fermentação pode ocorrer

Simples, curto e liso; não ocorre fermentação

Longo, compartimentalizado; fermentação pode ocorrer

Fígado

Pode detoxificar vitamina A

Não pode detoxificar vitamina A

Pode detoxificar vitamina A

Não pode detoxificar vitamina A

Rins

Urina muito concentrada

Urina moderadamente concentrada

Urina muito concentrada

Urina moderadamente concentrada

Unhas

Garras afiadas

Unhas achatadas ou cascos arredondados

Garras afiadas

Unhas achatadas

Termostase

Hiperventilação

Perspiração

Hiperventilação

Perspiração


O consumo de carne perdura e é estimulado meramente em função de um capricho gustativo. As pessoas consomem carne porque gostam de seu gosto, textura e aroma. Só ! Esta é a verdadeira razão ! Elas simplesmente não desejam alterar um hábito adquirido desde a infância. Alegações de que o consumo de carne é imprescindível, natural e saudável são inverdades alimentadas pela indústria alimentícia e ignorância popular. Observa-se por exemplo, a ampla divulgação de que o ser humano precisa de "proteína animal" na forma de carne ou derivados destes para encontrar-se gozando de boa saúde.Uma grande bobagem! Do contrário, não haveriam tantos vegetarianos/veganos/frugívoros praticantes há décadas, saudáveis e em excelente forma física. Infelizmente, ainda são muito poucos os praticantes dessa conduta.

Nesse sentido, cabe um esclarecimento nutricional sobre o vegetarianismo e a carne :
 
- A carne, seja ela "vermelha" ou "branca", é uma agremiação de fibras musculares, fibras elásticas e colágenas, peças ósseas, tecido adiposo, vasos sanguíneos e sangue. Analisando-a de um ponto de vista mais detalhado (ainda que simplista), a carne é constituída de proteínas, lipídeos, carboidratos, ácidos nucleicos, vitaminas, sais minerais, hormônios e água. Na verdade, todo ser vivo é composto das mesmas substâncias fundamentais. Elas são a base da composição celular. O que diferencia uma peça de carne branca de uma peça de carne vermelha é em essência a organização, qualidade e composição das substâncias acima citadas. Enquanto uma é mais rica em gordura ou fibras musculares lisas, a outra será mais rica em fibras musculares estriadas. O organismo não absorve as fibras musculares. Ele as decompõe.
 
É importante destacar que ao longo da alimentação estamos de fato interessados em utilizar os blocos básicos constituintes de cada uma dessas substâncias, isto é, através do processo de digestão e absorção intestinal, o organismo busca absorver aminoácidos (blocos básicos das proteínas), lipídeos (blocos básicos das gorduras, óleos, ceras), mono e dissacarídeos (blocos básicos dos açucares), nucleotídeos (blocos básicos do DNA e RNA), sais e vitaminas. Todos os alimentos são desestruturados e decompostos ao longo do aparelho digestório. Alimentos não oriundos de fontes animais apresentam exatamente os mesmos constituintes acima citados. Reforço aqui o fato de que enquanto um vegetal pode ser mais rico em fibras celulósicas e amido, uma peça de carne pode ser mais rica em fibras colágenas e proteínas. Vegetais entretanto são também capazes de apresentar alto teor proteico, a exemplo da carne.
 
Em suma, o que de fato utilizamos na alimentação são os elementos constituintes dessas macromoléculas. Se por um lado peças de carne oferecem um grande input de proteínas, elas oferecem como contra-partida também um grande input de gorduras trans e baixo teor de carboidratos. Por outro lado, se vegetais oferecem um grande input de carboidratos, óleos e sais minerais, oferecem como contra-partida um menor input de proteínas. Em nenhum momento entretanto, a alimentação vegetariana deixa de oferecer algo que a carne possa fornecer exclusivamente. O benefício da alimentação vegetariana/vegana repousa na conscientização de que pode-se alcançar uma alimentação balanceada, diversificada, saborosa e saudável (com teores nutricionais adequados de todas as classes de macromoléculas) sem submeter animais à indústria do sofrimento e carnivorismo. Se a sociedade justifica submeter seres vivos ao mau-trato e sofrimento simplesmente por "praticidade", alegando que obter os nutrientes necessários é assim mais fácil (o que não é), então percebe-se que há um desvio de valores tremendo em justificar o fim pelos meios. Algo que aprendemos desde pequenos a considerar como inadequado.
 
Ainda sobre a "proteína animal" :

- O ser humano utiliza-se basicamente de 20 aminoácidos para a construção de suas proteínas. Desses 20 aminoácidos, 9 são considerados os aminoácidos essenciais ou indispensáveis, isto é, são 9 os aminoácidos que precisam ser obtidos através da dieta (os demais 11 são construídos a partir destes 9). Entenda-se que estes 9 aminoácidos não são mais importantes que os outros 11. Por indispensáveis, entende-se que estes não podem ser sintetizados pelo organismo a partir de moléculas primordiais. Os 9 aminoácidos essenciais citados são a fenilalanina, valina, treonina, triptofano, isoleucina, metionina, histidina, leucina e lisina.
 
O consumo de proteína animal apoia-se na lenda de que tais aminoácidos essenciais não podem ser obtidos de outras fontes alimentícias (vegetais por exemplo). Isto é sabidamente um absurdo!!! Qualquer livro de bioquímica básica esclarece o contrário. Todo e qualquer organismo vivo apresenta proteínas. Todo e qualquer organismo vivo apresenta os 20 aminoácidos acima citados. Os teores individuais de cada aminoácido em cada organismo (ou tecido/orgão animal/vegetal consumido) apresentarão variações, como era de se esperar. Mas em nenhum momento deixarão de apresentar os 20 aminoácidos necessários.

Um fígado apresenta proteínas celulares distintas das proteínas celulares encontradas na soja. Portanto, a quantidade do aminoácido X encontrado no fígado talvez seja diferente da quantidade do aminoácido Y encontrado na soja. Mas de forma alguma, repito, não serão encontrados ambos aminoácidos X e Y tanto na soja como no fígado. O rendimento na extração dos aminoácidos que nos interessam, depende da combinação alimentar e modo de preparo destes. Fica evidente portanto que obter os teores de aminoácidos essenciais ou não-essenciais numa dieta, é questão de mero planejamento e protocolo culinário.
 
Aqui, entendam também que não é necessário um planejamento logístico complexo para obter os teores nutricionais indicados pelo profissional de saúde. Basta simplesmente ter uma alimentação variada em gênero e qualidade. Diz o ditado oriental que a boa refeição é a refeição colorida (alimentos vermelhos, verdes, amarelos, escuros, etc). Pigmentação diversificada é indicativo de variedade nutricional (vitaminas, carboidratos, lipídeos, etc). Não há um ser humano que se alimente diariamente e exclusivamente de carne. O primeiro que fizer isso por um tempo razoável, terá sérios e irreversíveis problemas renais. Não somos leões. A fisiologia e alimentação humana não se compara a de um felino, por exemplo. Mesmo o mais inveterado amante da carne, complementa sua alimentação com diversos outros alimentos. É amplamente sabido o impacto que o consumo de carne causa ao organismo humano, seja alterando níveis de colesterol, pressão sanguínea, capilaridade vascular, esforço renal, hepático e biliar, dificuldade digestiva, entre outros aspectos.

O autor reforça uma idéia errônea sobre a filosofia de alimentação vegetariana/vegana : "Há, entretanto, indivíduos que não se alimentam de carne de mamíferos, como uma forma de protesto contra o extermínio da vida. Por outro lado, essas pessoas comem aves, peixes e todos os vegetais, além de utilizarem objetos de madeira e de couro, todos resultantes da morte de seres vivos." A generalização é absurdamente equivocada ! São muitos os vegetarianos que não consomem qualquer tipo de carne (seja de peixes, aves, répteis, anfíbios) e são muitos os vegetarianos que não consomem produtos oriundos de animais (couros, ovos, leite, peles, fibras, etc). Mais do que pregar o extremismo de conduta, o que o vegetarianismo prega é a não-necessidade de consumo de carne ou derivados animais para qualquer fim.

Usemos um pouco de lógica cartesiana.
 
- Se é possível obter o mesmo teor nutricional de fontes alternativas, porque submeter organismos sencientes ao sofrimento desnecessário ? O argumento de que resulta caro e trabalhoso é sabidamente descabido.

- Porque causar sofrimento a organismos não-humanos, para atender um capricho cultural ? Era um costume antigo também ter escravos, humilhar o gênero feminino e sacrificar crianças em oferenda a deuses.

- Se a carne é tão especial e insubstituível na alimentação humana, porque não se consome carne humana ? Afinal, humanos e não-humanos sentem dor e medo, isso não se contesta mais em nenhuma esfera.

- A tecnologia desenvolvida na agricultura e processamento de alimentos torna necessária ainda a prática de abates e confino de animais para fins alimentícios ? Podemos lançar bases aeroespaciais e voar pelos céus, mas não podemos processar alimentos vegetais de modo a extrair destes os nutrientes necessarios ?
 
Cabe lembrar que nem todo praticante do vegetarianismo é incoerente com sua conduta de causar menor impacto ambiental. A simples existência humana causa impacto sobre o ambiente, isso é evidente e inevitável. Humanos são hoje mais de 6,6 bilhões e ocupam toda a superfície terrestre, seja em clima árido, gélido, tropical, temperado. O homem transita pelos céus, mares, subterrâneos, estratosfera e superfície terrestre. Nem as baratas são tão epidêmicas como o H.sapiens. O que busca-se com o vegetarianismo e veganismo é causar o menor impacto possível no ambiente diante dos notórios problemas que a população humana causa neste planeta. A re-educação alimentar é um bom começo.
 
"A sociedade também aceita e até estimula a utilização de animais como meio de transporte e em vários esportes ou diversões, entre os quais se destacam a caça e pesca, touradas e contendas entre animais. Esses "esportes", absolutamente covardes e que levam os animais a grandes sofrimentos antes de serem mortos, são "ignorados" pela maioria das sociedades protetoras de animais que, no máximo, protesta de forma tímida e fugaz. Quando a lei proíbe algum tipo de caça ou pesca, não visa evitar o sofrimento ou a morte do animal, mas previne o extermínio da espécie."
 
"Tanto isso é verdade, que a maioria das proibições são temporárias. Também não há qualquer manifestação contra as religiões que utilizam animais em suas cerimônias, por se tratar de um tema "sagrado" ou tabu intocável."
 
O autor de novo incorre em erro gravíssimo ao fazer generalizações. A sociedade aceita a crueldade com não-humanos (seja no entretenimento, culto religioso, ou afins) graças ao cultivo do auto-engano (a capacidade de ignorar fatos concretos e indesejados em prol de um benefício egoísta e caprichoso).
 
"Todavia, são cada vez mais freqüentes os movimentos dos antiviviseccionistas contra os pesquisadores que utilizam animais em seus trabalhos. É difícil acreditar que essas pessoas estejam imbuídas apenas de ideais nobres ao defenderem os animais, quando há outros benefícios oriundos de suas agremiações. O poder dos líderes de tais associações pode levá-los a uma rápida e segura ascensão econômica, e política, à custa de uma massa de indivíduos que pouco refletem sobre a sua luta contra o progresso científico. O mais curioso é que os pesquisadores dos países mais desenvolvidos são os que mais sofrem com esse problema."
 
Nota-se um evidente preconceito do autor em relação às motivações de grupos defensores dos animais e contrários ao seu uso em experimentação científica, por exemplo. Ainda que existam casos como os mencionados pelo autor, a generalização é imprópria. Seguiria a mesma linha de raciocínio dizer que são criminosos todos os indivíduos de cor parda ou negra, em função desse contingente da população apresentar uma maior participação em crimes convencionais.
 
"Observa-se, na legislação voltada à pesquisa em áreas biomédicas, o absurdo de ser mais fácil realizar estudos com voluntários humanos do que com animais. Nos códigos de direito dos animais, com poder de lei, há artigos que podem comprometer qualquer pesquisador, independente de suas boas intenções ou importância de seu trabalho para a humanidade. Mesmo dentro da classe médica, os trabalhos com humanos são muito mais valorizados e é fácil perceber a segregação de médicos, enquanto pesquisadores em nível experimental, pelos seus colegas que lidam com atividade clínica.
 
O desestímulo à pesquisa é mundial, pois, excluindo os empregados dos grandes laboratórios farmacêuticos, a maioria dos médicos-pesquisadores é mal remunerada, comparando-se com os honorários recebidos por atividade clínica. Os irrisórios recursos investidos na pesquisa em nosso país e que obrigam ao financiamento das investigações pelo próprio pesquisador são um outro capítulo, mas que deve ser lembrado, para destacar que o pesquisador é um verdadeiro idealista, cujo trabalho é o que mais contribui para o progresso da Medicina.
 
É evidente, que em todos os campos de atividade humana, existem pessoas com desvios de caráter. Há também, entre os pesquisadores, alguns despreparados que exercem um trabalho imoral e que atende apenas a instintos cruéis. Tais indivíduos não devem ser considerados pesquisadores e constituem uma extrema minoria, que não pode, de forma alguma, ser utilizada para manchar toda uma classe de profissionais íntegros e indispensáveis à sociedade.
 
Não há dúvida de que se deve ter respeito pela vida e pelo sofrimento dos animais, reduzindo-lhes a dor, sempre que for possível, mas não se pode esquecer que o objetivo maior da pesquisa biomédica é aliviar o homem de seus males. Modelos alternativos, como os experimentos com órgão isolados, seres inferiores e os ligados à tecnologia são muito limitados e raramente substituem os animais apropriados a cada trabalho científico.
 
Para fortalecer a sua imagem diante dos colegas e da sociedade, o pesquisador deve submeter-se aos códigos legais. Lamentavelmente, a maioria dos legisladores não têm qualquer envolvimento com pesquisa científica e esse despreparo resulta na formulação de leis dificilmente obedecidas. Para evitar tais distorções, têm sido criadas comissões de ética que reúnem pessoas de diferentes ramos profissionais e com pontos de vista variados, para legislarem com menos arbítrio. Todavia, apesar de sempre convidados, os pesquisadores dispõem de pouco tempo para participar dos longos debates, que ordinariamente ocorrem em tais comissões. Por outro lado, os antiviviseccionistas são os que mais têm tempo para defender os seus interesses e se posicionarem, de princípio, contra a atividade científica.
 
O primeiro país a criar comissões de ética para pesquisa com animais foi a Suécia, em 1979. Os Estados Unidos adotaram essa prática em 1984, enquanto o Brasil somente passou a constituir tais grupos nesta década. É importante que dessas comissões façam parte pessoas capazes de avaliar a natureza e as conseqüências que determinado trabalho pode trazer. Os membros das comissões de ética e os legisladores têm a difícil tarefa de conciliar os aspectos éticos com os interesses científicos, econômicos, comerciais e legais. Observa-se, portanto, que existe ainda um longo caminho a percorrer antes de se atingir uma perfeita harmonia entre os pesquisadores e a sociedade."

Sabe-se hoje que o ser humano (Homo sapiens) apresenta 98% de similaridade genômica com o chimpanzé (http://en.wikipedia.org/wiki/Chimpanzee_genome_project). Uma análise mais detalhada desse tema pode ser obtida no artigo científico de 2005 de Ajit Varki e Tacha K. Altheide da Univ. da Califórnia (San Diego - USA) publicada na revista Genome Research vol 15, páginas 1746-1758 (www.genome.org).
 
Apesar dessa "pequena" diferença genômica, nos consideramos "tremendamente "diferentes de um macaco comum. De fato, reconheço que sejamos bem diferentes em muitos aspectos a um primata, a um cão, suíno, rato ou outro animal.

Mas afinal, em que aspectos exatamente somos diferentes destes, e em que aspectos somos iguais ?

Me parece que nossa espécie escolhe descaradamente semelhanças e diferenças segundo sua própria conveniência. Somos semelhantes na hora de usá-los como modelos experimentais, mas somos únicos e singulares na hora de usufruir de direitos à dignidade e ao respeito.

São paradoxos morais e científicos constrangedores para um ser auto-intitulado racional.

Se por um lado consideramos um desvio de dois graus centígrados na temperatura corpórea infantil algo sério, porque ignoramos que os animais usados como modelos experimentais já apresentam naturalmente uma diferença de dois graus centígrados em relação à nossa temperatura, diferença essa que seguramente reflete-se no comportamento molecular de suas células e constituintes ? Aliás, com que petulância (diante do pouco que conhecemos sobre o mecanismo molecular da vida), podemos afirmar que essa diferença (e tantas outras) não interferem na mecânica atomística inter e intracelular de um orgão/tecido/ser vivo ? Como extrapolar com segurança o efeito causado por uma composição farmacológica usada em modelos animais os quais sabidamente diferem fisiologicamente, genomicamente, anatomicamente, psicologicamente da espécie humana ? Não resulta uma perda preciosa de tempo e recursos experimentar drogas em animais quando o único modelo experimental que se presta a conclusões precisas do ponto de vista científico seja o próprio Homo sapiens ? Gritamos aos quatro ventos que animais não apresentam linguagem desenvolvida e os usamos para avaliar respostas laboratoriais através de inferências totalmente subjetivas. Não faz mais sentido usarmos organismos semelhantes biologicamente que ainda por cima possam se comunicar conosco de forma precisa, indicando os verdadeiros rumos de uma pesquisa séria ?

A contestação clássica sustenta que usar humanos em experimentação científica é contrário à Ética e Imoral. O argumento faria sentido se o próprio homem não contrariasse a própria ética e moralidade diariamente (seja em escala individual e coletiva) sujeitando milhões de pessoas à fome e privação de recursos básicos devido a utilização de um sistema econômico desigual e explorador. A Ética e Moralidade não é contestada quando a sociedade julga e condena milhares/milhões de pessoas por crimes que estes cometem contra o semelhante, enquanto pais de família ganham salários miseráveis para alimentar filhos que são criados segundo os valores mais conservadores. Ignora-se a Ética e Moral quando um condenado é mantido inútil e irrecuperável em uma penitenciária (ao invés de servir à Ciência e à Sociedade de modo recíproco), quando bilhões de animais são submetidos a elucubrações científicas das mais variadas apoiando-se em um sistema de extrapolações lógicas das mais furadas. O homem é muito ético e moral quando famílias ficam sem água para satisfazer interesses de empresários megalômanos apoiados pelo governo e lobbys empresariais. É ético e moral que uma minoria populacional detenha grande parte da riqueza moderna enquanto bilhões vivem em estado de sub-existência. Não contesta-se qualquer violação ética e moral em ferir e usar animais como objetos, invariavelmente condenando-lhes a morte (seja pela ciência, seja pela alimentação), enquanto homens que violaram todas as regras básicas da sociedade, refastelam-se por toda uma existência às expensas dos impostos cobrados do cidadão que trabalha arduamente de manhã à noite.

Não acho que o argumento de respeito a ética e moral deva ser exposto por qualquer um enquanto a mesma pessoa que o levanta, não faça uma auto-análise sincera das suas práticas e valores. Não se pode usar lógica para A e não para B, quando A = B.

São pontos simples na verdade, absurdamente óbvios, mas cosntantemente ignorados por pura conveniência humana :

- Se notamos claramente a diferença entre macacos e homens, como podemos justificar a experimentação com animais tais como camundongos, coelhos e cães ?

- Se notamos semelhanças entre macacos e homens, porque uns tem direitos e outros não ?

- Se assumimos que ambos tem sistemas biológicos parecidos (ou orgãos equivalentes), como podemos então achar que uns sentem dor e outro não ?

O uso de modelos animais na ciência apoia-se em um princípio errôneo: animais não são modelos biológicos para o Homo sapiens. Por modelo entendemos algo que representa idealmente um dado referencial. Animais apresentam peculiaridades biológicas únicas. Experimentação científica em animais é perda de (1) tempo, (2) dinheiro, (3) vidas humanas que esperam décadas para a pesquisa e desenvolvimento de fármacos que poderiam ser lançados no mercado em questão de poucos anos.

Desse raciocínio, a pergunta que emerge é simples : quem seriam as pessoas usadas na experimentação científica segundo este sistema ? Eu ? Minha mãe ? Meus amigos ?

Em primeiro lugar, devemos como sociedade refletir : Enquanto sociedade, elaboramos um código de condutas grupais que devem ser seguidas. Quem não as segue, está sujeita à Justiça e julgamento. Claramente então, o homem define o que é certo e errado para o grupo. Pergunta-se : quem nesta sociedade nós, enquanto grupo, consideramos como sendo elementos que violam princípios morais e éticos básicos e são obrigados a viver afastados da convivência grupal ?

Se não temos remorso em afastá-los da vida em grupo, porque teríamos em submetê-los a experimentação científica em prol da comunidade e da ciência ? Será porque a experimentação é um procedimento humilhante, doloroso e incerto de resultados positivos ?

Interessante...

Pois justamente esses pontos deveriam ser considerados ao usarmos os mesmos procedimentos em criaturas que sentem dor, medo, têm consciência de existência e buscam o mesmo que qualquer ser humano : propagar seus genes, sentir prazer e esquivar-se do desconforto e da dor.

Um comentário:

Anônimo disse...

Rapaz, um blog tão bom como o seu não pode ser pouco visitado como a ausência de comentários parece denunciar. Sério. Suas observações parecem muito pertinentes, além de bastante acessíveis para uma leiga em Biologia como eu. =)

Passarei aqui mais vezes para ler com mais atenção, tá muito tarde agora. :)

Ah, vi o link para o blog na comunidade Vegetarianos - RJ.

Fernanda